Projeções do PIB caíram pela 16ª vez e governo não tem medidas eficientes tirar o país da recessão, avalia economista Marcio Pochmann. Queda na renda é mais intensa para os mais pobres e os mais ricos estão, de certa maneira, se saindo bem, mais uma vez.

 

MARCELLO CASAL JR./EBC

“Não temos boas notícias nesse sentido do país voltar a crescer, sem ter um plano de emergência que o tire dessa situação que se encontra”, afirma Pochmann

O crescimento econômico pode ficar abaixo de 1% em 2019, de acordo com o mais recenteBoletim Focus, levantamento do Banco Central com instituições financeiras, divulgado toda segunda-feira. Com o pior resultado do Produto Interno Bruto (PIB) publicado neste ano, as projeções mostram uma redução do indicador de 1% para 0,93%, apontando para um quadro de recessão cada vez mas profundo e grave.

Essa 16ª queda consecutiva revela o nível da situação fiscal do Brasil que, na análise do professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Marcio Pochmann. Ele não vê quaisquer indícios de melhora diante da falta de política econômicas por parte do governo Bolsonaro.”Lamentavelmente, nós não temos boas notícias nesse sentido do país voltar a crescer sem ter um plano de emergência que o tire dessa situação que se encontra”, afirma.

Em entrevista aos jornalistas Marilu Cabanãs e Glauco Faria, da Rádio Brasil Atual, o economista analisa o quadro de recessão brasileira, que considera estar sendo agravado com o desmonte do BNDES e a recente saída de Joaquim Levy da presidência da instituição. “A expectativa que tem é de uma redução ainda maior do papel do BNDES, praticamente concentrado ao financiamento da privatização, deslocamento do setor produtivo estatal para o setor privado”.

Confira a entrevista na íntegra

Os economistas consultados pelo Banco Central reduziram de 1% para 0,93% a previsão de crescimento do PIB para este ano.  Esse resultado era esperado?

Nós já estamos numa trajetória longa e sem dinamismo econômico. Vamos lembrar que tivemos, em 2015 e 2016, uma queda acentuada da atividade econômica e, 2018, o ano que o presidente (Michel) Temer encerrou o seu mandato complicado, a economia brasileira estava 5% menor do que havia sido em 2014.

Se nós considerarmos que nesse período de 2015 a 2018 a população brasileira cresceu cerca de 3%, podemos dizer que a renda dos brasileiros, em média, caiu 8% nesse período de 2015 a 2018. E claro, infelizmente, a renda no Brasil não é distribuída igualmente, se a gente for olhar do ponto de vista da distribuição por níveis de pobreza e riqueza, de 2015 para cá, nós temos praticamente entre aqueles que são os 10% mais ricos do país, um acréscimo de 6 pontos percentuais na sua participação na renda nacional, enquanto que os 50% mais pobres perderam quase 40% da sua participação.

Então, temos uma queda na renda per capita, mas ela é mais intensa para os mais pobres, enquanto os mais ricos estãos de certa maneira, se saindo bem, mais uma vez, num período de baixo dinamismo da economia nacional.

Qual a sua análise sobre a demissão do presidente do BNDES, Joaquim Levy, e a forma como o presidente Bolsonaro falava do ex-funcionário? Nesse sentido, como você avalia a substituição por Gustavo Montezano?

Talvez seja bom recordar que os governos do PT, de certa maneira, recuperaram a trajetória do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social, voltado justamente para o estímulo, o desenvolvimento, a expansão dos setores produtivos, das empresas, uma certa regulação com as pequenas empresas e até mesmo em relação à questão ambiental.

Infelizmente, desde 2016 o BNDES vem perdendo essa trajetória, se tornando cada mais vez um banco pequeno, sem grande motivação em relação à retomada do desenvolvimento e praticamente se transformando em um banco voltado à privatização. A ascensão do governo Bolsonaro veio acompanhada de um conjunto de técnicos e personagens comprometidos com o setor financeiro, cujo objetivo é deslocar o setor produtivo estatal e os bancos públicos para o setor privado.

O Levy, que é de certa forma um funcionário público, vinculado ao Banco Mundial e havia prestado serviço aos próprios governo do PT, representava uma certa resistência a essa perspectiva de fazer com que o BNDES fosse apenas e tão somente um banco de motivação à privatização.

E, nesse sentido, essa resistência praticamente caiu por terra com sua demissão pelo presidente Bolsonaro. Esse novo presidente (Gustavo) é muito novo inclusive, mas vinculado a esse processo de bancos privados, ao processo de financeirização. Portanto, a expectativa que se tem é de uma redução ainda maior do papel do BNDES, praticamente concentrado ao financiamento da privatização, e deslocamento do setor produtivo estatal para o setor privado.

Você dizia que a crise econômica mundial de 2008 a 2009 era a primeira vez que o país passava por um período de estagnação sem que os mais pobres fossem prejudicados. Isso foi possível pela atuação dos agentes do Estado, inclusive bancos públicos e a Petrobras. Hoje a gente tem um quadro de recessão, em que muitos já entendem como um quadro de depressão econômica. E existe esse discurso do ajuste fiscal. É possível conciliar ajuste fiscal, ou seja, uma política pró-cíclica em um quadro de recessão, quase depressão, como esse?

Nós não temos a experiência internacional em que as finanças públicas tenham sido solucionadas quando coincidem com a recessão e a queda do nível de atividade porque, de certa forma, a receita do Estado está diretamente relacionada ao nível de produção: se a produção não cresce, a receita não aumenta.

Não há experiência internacional que revele a possibilidade de você reduzir o gasto na mesma velocidade que se reduz a receita em função da recessão. Portanto, é natural que as finanças se desorganizem com a queda na atividade econômica. A trajetória que o Brasil vem seguindo nos últimos anos não aponta para a volta do crescimento, tampouco a resolução dos problemas fiscais.

O Brasil hoje está em situação fiscal pior do que estava quatro, cinco anos atrás, embora o discurso dos ministros da Economia, da Fazenda e do próprio presidente tenha sido aquele de que a situação vai melhorar. Mas, lamentavelmente, nós não temos boas notícias nesse sentido, de o país voltar a crescer sem ter um plano de emergência que o tire dessa situação que se encontra.

Infelizmente, o segundo semestre deste ano será pior que o primeiro, sem dinamismo na economia, sem estímulo por parte do governo. Note que nós estamos caminhando para o sexto  mês de gestão Bolsonaro e não há um personagem desse governo que anime a atividade econômica com informações de que o governo vai de certa maneira apostar no crescimento e estimular a economia.

O que nós temos visto recorrentemente é um discurso de compressão ainda maior do Estado e sem possibilidade de o país voltar a crescer. É um quadro gravíssimo, infelizmente, e as boas notícias para a sociedade não são possíveis de se ver no quadro atual.

Sobre esse plano de emergência, a única coisa que o governo afirma que vai melhorar a economia do país é a reforma da Previdência. 

De fato, esse tem sido um recurso recorrente, assim como foi usado anteriormente para a realização de outras mudanças. Vamos lembrar que ainda no governo Temer foi generalizado para a sociedade que se houvesse a aprovação da Emenda Constitucional 95 – que praticamente congela os gastos não financeiros por parte do governo –, que se o Brasil fizesse essa ação, o crescimento e a situação social do país melhoraria. Depois, na mesma balada, veio o discurso de que, se o Brasil fizesse a reforma Trabalhista, segundo o ministro da Fazenda na época (Henrique Meirelles), o Brasil criaria seis milhões de postos de trabalho.

Nós já percorremos esses mesmos discursos sem nenhuma mudança do ponto de vista prático e, agora novamente, se usa a mesma justificativa – de que se fizer a reforma Previdenciária, o Brasil sairá da situação que se encontra – mas, lamentavelmente, não há estudos que confirmem essa perspectiva.

A própria Organização Internacional do Trabalho (OIT) demonstrou, acompanhando as mudanças previdenciárias em outros países, que não há saídas quando a escolha é pela privatização da aposentadoria e pensões públicas e mesmo a introdução de novos regimes como esse chamado de capitalização. Infelizmente, o Brasil está caminhando no sentido equivocado.

E com relação ao Fundo Amazônia? Alemanha e Noruega se colocaram contra a proposta de mudança do governo brasileiro para esse fundo em relação ainda ao BNDES. Isso é preocupante para a manutenção dos recursos?

A existência desse fundo, gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Social, é uma experiência bastante exitosa, construída durante os governos do PT, em parceira com outros países. E o objetivo justamente era criar condições melhores para que pudessem manter a identidade e a sustentabilidade ambiental numa região tão importante para o mundo todo, como é a região amazônica.

Lamentavelmente, a orientação do ministro do Meio Ambiente, em parceria com o próprio BNDES, está se desfazendo justamente dessas perspectiva. É uma reação dos países em relação ao que está sendo feito no Brasil. Possivelmente nós podemos até perder inclusive esse recurso internacional tão importante, sobretudo no momento atual, para uma ação afirmativa e positiva em relação ao problema grave ambiental no Brasil.

RBA, 24 de junho de 2019