Apesar do resultado, recuperação da atividade ainda é lenta e depende da agenda de reformas.
O crescimento de 0,4% da economia brasileira no segundo trimestre surpreendeu e coloca o PIB esperado para 2019 mais perto de 1%. Mas a recuperação é lenta e ainda depende da agenda de reformas, dizem economistas ouvidos pelo G1.
A retomada da indústria, puxada principalmente pelo setor de construção, a melhora dos serviços e a forte alta dos investimentos ajudaram a sustentar o resultado do trimestre. E a queda no consumo do governo sinaliza um resultado “de mais qualidade”, segundo os especialistas.
“Mesmo que o crescimento no trimestre seja moderado, esse ciclo é diferente de outros, é mais sustentável. Alimenta a perspectiva de um PIB mais próximo de 1% no ano”, afirma Eduardo Velho, vice-presidente da Ordem dos Economistas do Brasil.
O mercado esperava um crescimento de 0,2% no trimestre, segundo mediana de pesquisa da Reuters. Analistas ouvidos pelo jornal Valor Econômico previam o mesmo número.
“Foi um desempenho muito positivo, tanto do lado da oferta quanto da demanda. Esse número [de 0,4% no trimestre] corta um pouco as mudanças muito pessimistas de projeções, de crescimento de 0,5% no ano”, diz Silvio Campos Neto, economista da Tendências.
Depois de duas quedas consecutivas, a indústria cresceu 0,7% no segundo trimestre, com destaque para a construção civil, que avançou 1,9% contra os três meses anteriores. A performance do setor só não foi melhor por conta do tombo de 3,8% da indústria extrativa, ainda afetada pela tragédia da Vale em Brumadinho.
“A principal notícia foi a volta da construção civil, com uma alta interanual de 2%. Foi a primeira nessa base de comparação em 20 trimestres”, destaca Thais Zara, economista-chefe da Rosenberg.
“É um crescimento lento, mas indica uma continuidade da retomada. Algumas pessoas imaginavam que teríamos uma recessão técnica, mas nós já havíamos descartado essa possibilidade, porque a gente não imaginava que isso fosse acontecer agora”, apontou o diretor de Macroeconomia do Instituto e Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), José Ronaldo de Souza Jr.
“Para que a retomada seja mais consistente a gente precisa da continuidade desse ambiente de reformas. (..) A gente precisa muito da retomada da infraestrutura e o governo não tem dinheiro para aumentar esse tipo de investimento, a gente precisa necessariamente atrair capital privado”, afirmou.
Volta do investimento
A retomada da construção também ajudou melhorar o investimento, que avançou 3,2% no trimestre e foi outro motor do PIB. Além dos investimentos em obras, a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), engloba também aportes em máquinas e equipamentos e inovação.
“Os números de investimento são voláteis, mesmo. A base de comparação era muito fraca, houve quedas muito significativas em 2014. É natural que o crescimento aconteça quando se começa a dar sinais de melhora [na economia], empresas começam a recompor parte do capital”, aponta Campos Neto.
Para Eduardo Velho, as retomadas da indústria e dos investimentos, somadas à queda no consumo do governo, que recuou 1% no trimestre, fazem com que o crescimento do segundo trimestre tenha “maior qualidade”.
“Significa que se está conseguindo manter a demanda interna. Os gastos públicos estão menores do que o consumo das famílias e os investimentos privados. Há um espaço maior para o setor privado puxar a economia”, afirma.
A alta de 0,3% no consumo das famílias contribuiu para o crescimento de 0,3% do setor de serviços, que tem grande peso (cerca de 70%) no cálculo do PIB.
“O consumidor, em que pese as dificuldades de renda e emprego ainda, sinaliza um início de retomada de confiança que era mais concreto no caso da indústria automobilística, que já vinha apresentando resultados positivos desde o ano passado, e agora no caso do mercado imobiliário”, dizem em nota os economistas da MB Associados.
A consultoria acredita que a sinalização de queda de juros “de forma mais permanente” tem potencial para estimular ainda mais o mercado de imóveis nos próximos trimestres.
A MB espera crescimento de 0,9% em 2019 e um desempenho melhor no terceiro trimestre em comparação com o segundo. A consultoria pondera que a indústria pode trazer surpresas no período de julho a setembro, por conta do impacto da crise da Argentina no setor automobilístico.
Retomada lenta
A queda no consumo do governo indica solidez do processo ajuste fiscal, necessário para que a economia entre em uma trajetória de crescimento sustentável. Mas isso ocorrerá devagar, pontua Campos Neto, da Tendências.
“O governo está fora do jogo, não tem fator de estímulo. O modelo realmente mudou e isso não é necessariamente ruim, é simplesmente uma recuperação lenta.”
Ele lembra que a agenda de reformas e o cenário de juros baixos corroboram para a retomada. “Limpando essa névoa de tensão [com incertezas políticas, guerra comercial e pressões externas] a gente vê coisas acontecendo. Mas é importante que o governo siga com a agenda de reformas.”