Sobre vazamentos ilegais de processos que deveriam correr em segredo de justiça, inclusive de áudios de conversas privadas de ex-presidentes, muitas das quais sobre suas vidas privadas, os telespectadores e leitores mais atentos da grande mídia dos últimos anos devem lembrar das declarações prestadas à sociedade por integrantes do força-tarefa “Lava Jato”.

*Por Dalton Melo Macambira

 

Procuradores da Lava Jato Procuradores da Lava Jato 

Vinculados ao Ministério Público Federal do Paraná, sob a coordenação do promotor Deltan Dallagnol, e do ex-juiz Sérgio Moro, atual ministro da Justiça do governo Bolsonaro: “No conflito entre direito à informação sobre crime grave e direito à privacidade, ganha o interesse público”, disse certa vez o representante do MPF.

Pois bem, após a divulgação de conversas nada republicanas entre os membros do MPF e o ex-juiz Moro pelo site The Intercept, particularmente no caso que levou à prisão e barrou a candidatura do ex-presidente Lula, líder de todas as pesquisas eleitorais, os procuradores da força tarefa publicam uma nota com essa pérola:

“A violação criminosa das comunicações de autoridades constituídas é uma grave e ilícita afronta ao Estado”.

O ex-juiz Moro, premiado com um cargo de ministro do atual governo e possível indicação ao STF, que de forma criminosa e numa atitude de chefe de partido político, divulgou uma conversa de uma presidente da República e uma “delação premiada” na véspera da eleição de 2018, para prejudicar o candidato do PT, também não gostou das divulgações das conversas, afirmando em uma rede social:

“Muito barulho por conta de publicação por site de supostas mensagens obtidas por meios criminosos de celulares de procuradores da Lava Jato”.

Percebe-se que, em momento algum, nem o ex-juiz e muito menos os representantes do MPF negam a veracidade das informações divulgadas, mas apenas afirmam como supostamente ilegal a forma de obtenção das mesmas. O senhor Dallagnol, em um dos diálogos, revela, inclusive, que não haviam provas suficientes para condenar Lula, no caso do “tríplex”. A denúncia da defesa do ex-presidente de que os procuradores MPF tinham convicção, mas não tinham provas era verdadeira. Como o mundo dar voltas, não é? Que me perdoem os terraplanistas.

Não negam a veracidade do conteúdo das conversas, mas afirmam que não incorreram em nenhuma ilegalidade. Vejamos: se um juiz aconselha a acusação, inclusive da necessidade de antecipar fases da operação policial e chega ao absurdo de sugerir a troca ou um melhor treinamento de uma procuradora da força tarefa para a abordagem de uma determinada testemunha como poderemos entender tal comportamento? O que diz o nosso Código de Processo Penal brasileiro:

“Art. 254. O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes:
I – se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles; […]
IV – se tiver aconselhado qualquer das partes; […]”.

Claro como o sol. Qualquer estudante de direito sabe que os processos judiciais conduzidos em clara afronta as leis são plenamente passíveis de nulidade. Alguns irão perguntar: mas as provas não foram obtidas de forma ilícita? Respondo: provas ilícitas não podem ser usadas pela acusação, embora no caso da “Lava Jato” a Constituição tenha sido rasgada algumas vezes, mas para inocentar um réu condenado de forma injusta é plenamente possível e existem exemplos em nossa jurisprudência.

Apesar da grande mídia, integrante do consórcio golpista que derrubou Dilma e prendeu Lula, tenha se negado, até o momento, a dar ampla publicidade das gravíssimas denúncias do The Intercept, ministros do Supremo têm revelado espanto com o teor das conversas divulgadas, alguns resgataram, em conversas com jornalistas, o livro “Direito Constitucional”, do ministro Alexandre de Morais, onde afirma que:

“As condutas dos agentes públicos devem pautar-se pela transparência e publicidade, não podendo a invocação de inviolabilidade constitucional constituir instrumento de salvaguardas de práticas ilícitas, que permitam a utilização de seus cargos e funções ou empregos públicos como verdadeira cláusula de irresponsabilidade por seus atos ilícitos […]”.

Ao que parece, o ministro Sérgio Moro, citado nas denúncias, sabia que a matéria de teor bombástico seria divulgada e se antecipou ao correr para alardear que um suposto hacker havia invadido o seu celular, e que tal fato seria um problema de “segurança nacional”. Mas os membros do MPF somente relataram tal fato na nota publicada após a divulgação dos diálogos entre o ex-juiz e os integrantes da “Lava Jato”.

No entanto, The Intercept afirma que a sua fonte não foi um hacker e rebate tais afirmações dos envolvidos no escândalo, provavelmente o maior da história do Brasil envolvendo autoridades do Poder Judiciário e do Ministério Público:

“Ironicamente, as mesmas pessoas que divulgaram conversas privadas de Lula – incluído muitas que não tinham nada a ver com assuntos de interesse público – agora estão tentando se colocar como vítimas de uma terrível invasão de privacidade […]. Ao contrário da horrível invasão de privacidade que perpetraram, já dissemos que somos jornalistas e, portanto, só publicaremos material relacionado a assuntos públicos, não informações pessoais. Os promotores da LJ não são vítimas […]”.

The Intercept já informou que o material divulgado é somente a ponta do ice berg. Portanto, o desfecho desse processo é de difícil previsão. Também não é fácil compreender as motivações da fonte das denúncias que abalaram a República, sim, pois além da possível anulação do julgamento que levou a condenação do ex-presidente Lula, poderá ensejar movimentos para uma CPI no Congresso Nacional e até a anulação das eleições de 2018, claramente maculada pela indevida e criminosa intromissão de um poder sobre o outro, do judiciário sobre o executivo.

Somente nos resta aguardar os próximos capítulos dessa “novela”, cuja desfecho, de mais essa crise, deverá ser longo e a única certeza que temos no horizonte é da mais absoluta imprevisibilidade!

*É professor do Departamento de História da Universidade Federal do Piauí (UFPI)

Vermelho, 11 de junho de 2019