Segundo organização, alguns artigos da reforma violam princípios básicos do direito internacional do trabalho.

O Brasil poderá integrar, mais uma vez, a lista de violações de direitos humanos trabalhistas da Organização Internacional do Trabalho – OIT. Isto porque dispositivos da reforma trabalhista, sancionada em julho de 2017, foram incluídos em relatório que aponta diversos países suspeitos de violar direitos dos empregados. 

relatório foi elaborado por uma comissão de peritos para fiscalizar as aplicações de acordos e recomendações da OIT por Estados membros. O documento será apreciado por uma comissão durante a 108ª Conferência Internacional do Trabalho da Organização Internacional do Trabalho, que acontece este ano, em Genebra, entre 10 e 21 de junho.

Na ocasião, a comissão irá definir uma lista preliminar com 40 ocorrências de violação e, após negociações com a Comissão de Aplicação de Normas, a lista será reduzida a 24 ocorrências.  

O ministro aposentado do TST Almir Pazzianotto Pinto explica que os impactos e repercussões do país nesta lista são altamente negativos,fazendo com que o Brasil seja incluído entre os países de regime discricionário. Se for realmente incluído na lista, o país deve prestar esclarecimentos. 

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Histórico

Em 2018 o Brasil integrou a lista de violações. Segundo Antonio Lisboa, membro representante dos trabalhadores no conselho de administração da OIT e secretário de relações internacionais da Central Unitária de Trabalhadores – CUT, esta foi a primeira vez em 20 anos que o país entrou para a lista da OIT. 

À época, a OIT acolheu queixas de sindicatos e associações como a Associação Nacional dos Magistrados Trabalhistas – Anamatra, a Confederação Sindical Internacional, e a CUT, afirmando que a reforma trabalhista feria direitos definidos na convenção nº 98 da OIT, que trata de negociação coletiva.

A convenção 98 versa sobre o direito do trabalhador à organização sindical e negociação coletiva, visando garantir que os trabalhadores tenham “proteção adequada contra quaisquer atos atentatórios à liberdade sindical”. O Brasil aderiu à convenção em 1952, quando o texto foi sancionado no último governo Vargas. 

A queixa da Anamatra foi protocolada em 2017. Através de um ofício encaminhado à OIT, a associação expôs sua preocupação com pontos da reforma trabalhista, que na época ainda era um projeto de lei tramitando no Senado. No ofício, a associação apontou violação de convenções internacionais do trabalho ratificadas pelo Brasil, como a possibilidade de negociação prevalecer sobre a legislação em situações como o parcelamento de férias, intervalo intrajornada e outros. 

Ao integrar a lista em 2018, o governo brasileiro argumentou que a OIT não poderia examinar uma lei que ainda estava sendo implementada. Este argumento foi aceito pela Comissão de Aplicação de Normas, que retirou o Brasil do rol de países que violam direitos dos trabalhadores.

No entanto, em 2019 a OIT voltou a cobrar o posicionamento do governo brasileiro sobre a matéria e caso o Brasil volte a integrar a lista, representantes do governo, dos trabalhadores e das empresas serão convocados para serem ouvidos. 

Negociação coletiva

relatório preliminar de 2019 foi elaborado por uma comissão independente de juristas cuja missão é observar a aplicação de acordos e recomendações da OIT pelos Estados membros da Organização. 

Ao analisarem a lei 13.467/17, os peritos chamaram a atenção, novamente, para a previsão de que o negociado entre sindicatos e empresas pode prevalecer sobre o legislado. Segundo o relatório, os artigos que foram incluídos na CLT, 611-A e 611-B, violam os princípios basilares do direito internacional do trabalho. Para os peritos, a legislação apenas pode ser alterada se foram trazer benefícios ao trabalhador, o que, na visão deles, não foi o caso desses pontos da reforma trabalhista. 

O art. 611-A lista os casos em que o negociado pode se sobrepor ao legislado, estando entre eles jornada de trabalho, banco de horas, intervalo intrajornada e participação dos lucros. O art. 611-B especifica as situações em que as negociações não são permitidas, estando o repouso semanal remunerado, direito ao salário-mínimo e à licença maternidade entre eles. 

Segundo o estudo, o texto dos artigos 611-A e 611-B são amplos e necessitam serem mais bem especificados. Assim, os peritos fazem solicitações para que o governo adote medidas para corrigir distorções do texto sobre negociação coletiva. Para eles, a possibilidade de o negociado prevalecer sobre o legislado é algo amplo e genérico e que se choca com as normas da Convenção 98 da OIT sobre negociação coletiva. 

A OIT pede para que o governo examine os artigos, revisando se há possibilidade de contratos individuais de trabalho estabelecerem condições menos favoráveis do que o previsto em lei. 

Expectativa

Almir Pazzianotto Pinto desacredita da possibilidade de o Brasil vir a ser incluído na relações dos países violadores por causa da reforma trabalhista:

“É necessário recordar que a Constituição contém detalhado rol de direitos trabalhistas. O mesmo acontece com a CLT, a Lei do Fundo de Garantia, a Lei de Greve. Não há aspecto importante das relações individuais e coletivas de trabalho ignorado pela legislação interna. O aliciamento ilegal de trabalhadores e a exploração de trabalho análogo ao de escravo são crimes previstos pelo Código Penal, o mesmo sucede com a prática de medidas violadoras do direito de sindicalização. Nesse aspecto, a OIT não tem do que se queixar do Brasil.”

Pazzianotto explica que a convenção nº 87, sobre autonomia de organização sindical e liberdade de filiação, ainda não foi ratificada pelo Brasil e aguarda decisão do Senado. Desta forma, “o modelo de organização sindical brasileiro, baseado no sindicato único por categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, desagrada a OIT, mas não é motivo para inclusão na lista dos violadores.”

De qualquer forma, não ser incluído na lista desta vez não exime o Brasil de ser observado eventualmente. Segundo Pazzianotto, a OIT é extremamente rigorosa na avaliação de denúncias de violação de compromissos assumidos com a ratificação de convênios. 

Trabalho escravo

No ano passado, uma portaria publicada pelo governo versando sobre novas regras para a caracterização de trabalho análogo ao escravo foram questionadas pela organização internacional. 

As novidades trazidas pela norma repercutiram internacionalmente e foram publicamentecriticadas pela OIT, que divulgou nota avaliando a gravidade das mudanças. 

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A norma dificultava a liberação de pessoas em situações análogas ao trabalho escravo e definia, por exemplo, a jornada exaustiva como sendo a submissão do trabalhador, contra sua vontade e com direito de ir e vir privado. 

O ato normativo foi alvo de ações no STF e a ministra Rosa Weber deferiu liminar para suspender os efeitos da portaria. 

Devido à repercussão negativa, dois meses depois o governo pulicou uma nova portaria com alterações dos conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva, condição degradante e sobre as responsabilidades do auditor fiscal do trabalho. 

Migalhas, 11 de junho de 2019