País tem síndrome múltipla, 40 anos de crise crônica e uma década de loucura

A construção civil acha que vai crescer 0,5% neste 2019. Em janeiro, esperava avançar ainda medíocres 2%. A estimativa é da FGV, feita para o SindusCon de São Paulo, anunciada nesta terça-feira (11).

Sem obras, vai ser difícil sair da crise. Metade do investimento (em máquinas, moradias, instalações produtivas) vem da construção. É do investimento que vêm as viradas da economia. O setor, que emprega uns 8% dos trabalhadores, foi o mais arruinado na recessão (vide gráfico).

É impossível dar tratamento tópico, específico, aos problemas da construção sem cuidar também da síndrome depressiva multidimensional que desgraça a economia. Mas, no meio do caminho da cura, é preciso dar atenção à pedra das obras.

O que aconteceu com a economia brasileira no 1º tri de 2019?

Sim, síndrome múltipla. A julgar por estudos dos economistas, a economia entrou em recessão extravagante e derivou para a depressão porque:

1) em 2014, estava inflacionada. O IPCA devia estar entre os 6% da média 2010-2014 e abaixo dos 11% de 2015, quando acabaram os tabelamentos de preços. O déficit externo (uma medida de excesso de consumo) chegava ao nível de alerta de 4% do PIB. A indústria estagnara desde 2010. Por problemas de preço e qualidade, o país importava bens industriais, parte do crescimento “vazava” para o exterior. Era uma economia sem musculatura e agilidade para correr no ritmo em que vinha no terço final dos anos petistas;

2) é baixa a produtividade, problema crônico faz 40 anos e evidente na situação da indústria mesmo nos anos do pico do PIB: vivia estagnada;

3) quando PIB e arrecadação de impostos chegavam ao pico, em 2014, a despesa fixa do governo estava nas alturas. Com a crise e, pois, perda de receita, o buraco nas contas públicas, o déficit, passou a abrir de modo desastroso;

4) alta de juros e déficit fizeram a dívida pública explodir;

5) há choques políticos faz seis anos: Junho de 2013, eleição de 2014, estelionato eleitoral e campanha da deposição de Dilma Rousseff em 2015, impeachment em 2016, Joesley Day e fiasco das reformas de Michel Temer em 2017, caminhonaço e eleição de 2018. Tal tumulto deprime a confiança de consumidores e empresas;

6) a economia mundial ficou lerda;

7) a intervenção inepta na economia contribuiu para avariar setores (petróleo, álcool, elétrico) e desperdiçar capital em investimento ruim (refinarias e petroquímicas, obras de Copa e Olimpíada, excesso de fábricas de carros, obras de infraestrutura mal planejadas, paradas pelo caminho etc.). As reduções de impostos para empresas e o meio trilhão de reais de endividamento público para subsidiar investimento privado a juros baixinhos deram em nada;

8) a penúria do governo redundou no corte brutal do investimento em obras, ainda mais reduzido por causa da crise dos estados, quebrados pelo gasto excessivo em salários e Previdência;

9) a dívida federal ainda cresce sem limite, e o governo faz déficit para pagar despesas correntes. Assim, aumentar despesa de investimento a fim de estimular a economia é um problema nada trivial;

A sucessão rápida de governos (três em quatro anos), inépcia, instabilidade macroeconômica e velhos problemas regulatórios prejudicam as concessões de obras de infraestrutura para a iniciativa privada. Tal programa pode em parte compensar a depressão dos investimentos governamentais e das demais empresas privadas, na retranca por excesso de dívida, de capacidade ociosa e por medo crônico da crise sem fim.
 

Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

Folha de São Paulo, 12 de junho de 2019