Ministra Cármen Lúcia liberou modulação dos efeitos para julgamento do plenário; especialistas abordam impacto que decisão deve ter.
Em março de 2017, o plenário do STF julgou o RE 574.706, em repercussão geral, e aprovou, por maioria, a seguinte tese:
“O ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da Cofins.”
Na ocasião, os ministros reiteraram o entendimento de que o ICMS não pode ser entendido como receita ou faturamento, uma vez que não integra o patrimônio do contribuinte. Para a Corte, ao chamar de faturamento ou receita algo que deve ser definido como mero ingresso de caixa, a Fazenda estaria ameaçando a proteção ao contribuinte.
Apesar do impacto da decisão, os efeitos da fixação da tese não foram modulados na ocasião. Isso porque a relatora, ministra Cármen Lúcia, explicou que não constava nenhum pedido nesse sentido no processo.
Em junho deste ano, contudo, a PGR opinou pela modulação dos efeitos da decisão de 2017, defendendo que o decisum tenha efeitos ex nunc (futuros). Segundo a PGR, a tese fixada “produz importante modificação no sistema tributário brasileiro, alcança um grande número de transações fiscais e pode acarretar grave impacto nas contas públicas”. Depois disso, a ministra Cármen Lúcia liberou, no último dia 3, a modulação dos efeitos da decisão para julgamento no plenário.
Impactos
A advogada especialista em Direito Tributário Daniella Galvão(Cesnik, Quintino e Salinas Advogados) explica que, de acordo com o que consta na lei de diretrizes orçamentárias de 2020, o risco estimado para o caso de perda da União considerando cinco anos de cálculo é de R$ 229 bilhões. “E é com base neste número que a Procuradoria argumenta a necessidade de modulação dos efeitos, garantindo-se o interesse social no equilíbrio das contas.”
No entanto, Daniella considera que o argumento de crise econômica, financeira e fiscal é “meramente retórico” e não reflete a atuação consistente do governo na condução da execução de seu orçamento e de seus gastos.
Ela destaca ainda que a matéria dos autos vem sendo discutida há duas décadas, sendo que, durante este período, o governo já concedeu anistias e perdões de dívidas em patamares bilionários. “Uma decisão ex nunc será injusta com os contribuintes que arcaram indevidamente com este ônus e contrária à segurança jurídica.”
Para os advogados tributaristas Alessandra Monti Badalotti e Ricardo Miara Schuarts, da banca Küster Machado – Advogados Associados, o caminho mais igualitário seria o Supremo proferir uma decisão em prol dos contribuintes.Todavia, ao considerar o atual cenário político, que está focado na busca pelo equilíbrio orçamentário e financeiro do Estado, entendem que o caminho mais provável é o da modulação ex nunc.
Os tributaristas destacam a importância da modulação dos efeitos aos contribuintes que já batalham na Justiça pela validação da tese do Supremo.
“Além da questão da modulação dos efeitos, neste julgado também devem ser esclarecidos, conforme pedido da PGFN, os procedimento que deverão ser adotados pelos contribuintes no que tange a forma e montante a ser restituído.”
Alessandra e Schuarts pontuam que aqueles que ainda não discutiram a tese na via judicial também devem se atentar ao tema, “pois caso seja efetivada a modulação dos efeitos, em um pior cenário, os contribuintes que ingressarem após o julgamento, não terão direito à restituição/compensação do que pagaram indevidamente”.
Segurança jurídica
Para o advogado tributarista Fabio Pallaretti Calcini, do escritório Brasil Salomão e Matthes Advocacia, não há fundamento fático e jurídico para se modular e fixar os efeitos da decisão do STF em momento distinto da regra geral.
O advogado explica que o Supremo tem rejeitado modular os efeitos de decisões tributárias, salvo em situações muito pontuais e específicas, o que não parece ser o caso. Porém, alerta que uma decisão com efeitos favoráveis aos contribuintes traria maior segurança jurídica.
“Se o STF, como guardião da Constituição não impedir este comportamento, inclusive, com decisões que sejam didáticas e de aprendizado aos gestores públicos, não haverá mais credibilidade e aí sim cai por terra a segurança jurídica.O Estado e seus gestores precisam compreender que, de modo algum, há de se apropriar daquilo que não é seu e aguardar que o tempo e os discursos terroristas de lesão aos cofres públicos vaticinem o abuso.”
A necessidade de segurança jurídica em relação ao tema é reforçada por Daniella Galvão. Segundo a especialista, a possibilidade de o STF decidir pela inconstitucionalidade de uma cobrança tributária e, mesmo assim, restringir o direito de reaver os valores pagos indevidamente pelos contribuintes “é algo que atenta contra o valor da Justiça, consagrado na Constituição”, e que salienta a insegurança – um dos maiores problemas, de acordo com ela, para quem pretende iniciar um negócio ou investir no país.