Levantamento divulgado durante audiência no Senado mostra deficiência da cobertura jornalística. “Não vou me aposentar nunca”, diz catador de recicláveis.
A proposta de “reforma” da Previdência é “cruel”, desnecessária e aumentará a pobreza, concluíram participantes de audiência pública realizada nesta segunda-feira (16) na Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado. O presidente do colegiado, senador Paulo Paim (PT-RS), afirmou que a maioria dos parlamentares nem conhece o teor da proposta, que ele considera “a mais cruel de todos os tempos”. Já aprovada na Câmara, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6 deve ser votada em primeiro turno no Senado no próximo dia 24.
Segundo Paim, quem sofrer um problema grave e não puder mais trabalhar vai se aposentar recebendo a metade do salário da ativa. “Isso vai gerar miséria”, afirmou. “Essa reforma prejudica gerações do passado, do presente e do futuro. Retira de quem está ganhando no trabalho formal e não resolve nada para aqueles que nem têm chance de um emprego formal”, acrescentou o senador.
Para Fabiano Contarato (Rede-ES), do jeito que está, a proposta será “uma violência contra aqueles que ganham menos, a camada mais pobre da sociedade brasileira”. Ele acusou Jair Bolsonaro de disseminar ódio em vez de ser um “instrumento de pacificação social”, como o cargo exigiria. “Minhas digitais não estarão nessa proposta, diante da minha consciência de que 459 municípios brasileiros estão em extrema pobreza, 70 milhões de brasileiros estão na pobreza ou extrema pobreza e há 22 milhões de brasileiros desempregados ou subutilizados.”
A assessora da Cáritas (ligada à Igreja Católica) Marcela Gonçalves leu trecho de carta do Papa Francisco sobre assistência aos desempregados e direito à aposentadoria, entre outros temas. “Estamos observando o aumento da informalidade, com a perda dos empregos. Há uma minoria barulhenta, que já percebeu o aumento da miséria. Mas uma maioria ainda está silenciosa, em letargia”, afirmou.
Pouca pluralidade
A audiência também discutiu o papel da mídia comercial na abordagem da “reforma” apresentada pelo governo. Segundo Maria Mello, representante da Intervozes, levantamento com base em dados dos jornais O Estado de S. Paulo, Folha de S.Paulo e O Globo), 64% dos especialistas consultados – muitos ligados a consultorias empresariais – eram favoráveis à proposta. Em torno de 8% eram parcialmente favoráveis e 19%, contrários.
“É notável a pouca pluralidade das vozes. Os jornais se repetem recorrendo aos mesmos especialistas, sendo que 88% eram homens e 12%, mulheres”, disse Maria Mello, acrescentando que nas emissoras de TV a maioria dos consultados eram representantes do governo. “Faltou pluralidade na cobertura, faltou dar voz a setores que importavam ser ouvidos.”
Representante de uma associação de catadores de materiais recicláveis, Ronei Silva falou de sua experiência pessoal – ele sempre usou força física para trabalhar, também carregando nas costas sacos de cimento e outros itens. “Eu não vou conseguir me aposentar nunca, mas estou perdendo as minhas forças e, com três hérnias de disco, não consigo pegar o que antes conseguia.”
Pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Francisco Urbano Araújo Filho criticou o processo de retirada de direitos que, segundo ele, vem desde a “reforma” trabalhista, implementada em 2017. Ele citou o item que trata de “acordo” entre patrão e empregado para demissões sem justa causa. “O Estado está abrindo mão do recurso do FGTS e o patrão está se apropriando do bem do empregado.”
Marcelo Inácio de Sousa, representante do Fórum de Economia Solidária do Distrito Federal e entorno, afirmou que falta um projeto de Estado. É preciso mostrar como o trabalhador pagará a chamada “nova Previdência” e como o dinheiro supostamente economizado vai refletir em melhorias à população.
“Eles dizem que vão economizar R$ 1 trilhão em 10 anos. Ora, esse foi o dinheiro pago no ano passado com juros e amortização da dívida”, criticou. “Não temos um problema de Previdência. Isso é um truque de ilusionismo. Dizem que uma mudança na Previdência é inevitável. Esse discurso não é novo, Margaret Thatcher fez a mesma coisa na Inglaterra. Perguntem aos chilenos o que foi a reforma lá.”