A chegada do novo coronavírus ao Brasil pode alterar o cotidiano em escritórios, fábricas e outros ambientes de trabalho, já que o vírus é transmissível de pessoa para pessoa. Mas quais são os direitos dos trabalhadores que precisarem ficar afastados de suas funções?

Por BBC

A chegada do novo coronavírus ao Brasil pode alterar o cotidiano em escritórios, fábricas e outros ambientes de trabalho, já que o vírus é transmissível de pessoa para pessoa.

O Ministério da Saúde já confirmou 52 casos de Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, no país.

Uma das principais medidas de contenção recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para casos suspeitos ou pacientes com confirmação, mas sem sintomas graves, é a quarentena doméstica de, no mínimo, 14 dias.

Assim, é possível que, assim como em outros países, o Brasil chegue ao cenário em que pessoas precisem abandonar o trabalho e outras atribuições durante esse período.

Mas o que determina a legislação trabalhista casos como esses? E se a pessoa trabalhar como autônoma, o que ela pode fazer? Quais são as obrigações dos empregadores em relação a seus funcionários?

A BBC News Brasil ouviu advogados e professores de direito trabalhista para esclarecer essas dúvidas: Gisela Freire, sócia da Área de Trabalhista do Cescon Barrieu; a advogada e professora de direito trabalhista da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Daniela Muradas e o também advogado e professor de direito trabalhista da Universidade Federal de Pernambuco Carlo Cosentino.

Apenas uma parte da população poderá receber benefícios caso adoeça, já que o país tem muitos trabalhadores na informalidade e desempregados.

O Brasil fechou o ano de 2019 com 12,6 milhões de pessoas desocupadas, 38,4 milhões de trabalhadores informais e 33,7 milhões de empregados no setor privado com carteira assinada.

Para os trabalhadores informais que não contribuem para o INSS, dizem especialistas, não está previsto na legislação um sistema de apoio caso peguem a doença.

Há alguma legislação especial para o coronavírus?

Uma lei sobre coronavírus foi sancionada no dia 7 de fevereiro pelo presidente Jair Bolsonaro e tem previsão para vigorar enquanto durar a emergência internacional do surto, decretada pela OMS no fim de janeiro — nesta quarta-feira (11), a organização declarou que o mundo já enfrenta uma pandemia.

O texto brasileiro determina que, diante de uma situação de emergência, o governo poderá colocar cidadãos em isolamento ou quarentena, sob condições estabelecidas pelo Ministério da Saúde.

Também poderá realizar compulsoriamente exames e testes laboratoriais, coletar amostras para análises e aplicar vacinas e tratamentos médicos específicos.

Não adotar medidas como quarentenas, isolamento rápido de pessoas doentes e transparência na divulgação de informações pode agravar a disseminação da doença e levar à perda de controle sobre a cadeia de transmissão do vírus de uma pessoa para outra — estima-se que, no caso do novo coronavírus, uma pessoa infectada contamime até outras três, em média.

Para os trabalhadores, a lei diz que a ausência nesses casos de quarentena ou isolamento será considerada falta justificada.

O que vale para cada tipo de trabalhador?

Empregados

Em condições normais, a lei trabalhista para aqueles que trabalham em regime de emprego (carteira assinada, carteira com regime intermitente, carteira com regime de teletrabalho, carteira em regime de aprendiz, terceirizado ou temporário) garante pagamento de salário integral por 14 dias. A partir do 15º, a Previdência Social passa a se responsabilizar pelo pagamento de auxílio-doença.

A lei referente ao coronavírus, no entanto, diz que será considerada falta justificada a ausência por quarentena ou isolamento durante o período de emergência, o que significa, na leitura dos especialistas, que a empresa deverá arcar com o pagamento dos salários pelo tempo que essa ausência compulsória durar, mesmo que passe de 15 dias.

A quarentena mínima que vem sendo aplicada é de 14 dias, determinada com base no período de incubação do coronavírus — tempo decorrido entre o contágio e o máximo já identificado para o surgimento dos primeiros sintomas.

No entanto, o período de infecção pelo vírus varia de pessoa para pessoa. Uma pessoa saudável pode ter os sintomas por poucos dias. Para outras, que já têm problemas de saúde, como uma doenças respiratórias, por exemplo, a recuperação pode levar semanas.

Estudo da OMS com base em dados preliminares disponíveis da China diz que o tempo médio desde o início da infecção até a recuperação clínica é de aproximadamente 2 semanas e de 3 a 6 semanas para pacientes com doença grave ou crítica.

É possível trabalhar de casa?

Sim, se a empresa assim determinar.

Freire diz que o home office pode ser uma opção. Segundo a advogada, o home office geralmente não está previsto nos contratos, mas pode ser adotado como política corporativa mesmo assim.

Um funcionário não pode, no entanto, exigir trabalhar de casa, a não ser que esteja sendo exposto a risco iminente no trabalho. Ela sugere que funcionários sigam primeiro o caminho do diálogo.

“Se seu escritório não tem sabão no banheiro, por exemplo, o ideal é conversar e pedir que a empresa providencie esse material”, diz ela.

E quem trabalha por conta própria?

Prestadores de serviço, profissionais liberais, pessoas que não têm um empregador, mas contribuem para a Previdência, podem acionar o INSS e solicitar o benefício do auxílio-doença.

No entanto, a lei que versa sobre o coronavírus não deixa claro se um cliente deve pagar o contratado pelo período em que ele estiver afastado. “Nesse caso deve prevalecer o contrato de prestação de serviço, que pode trazer previsões sobre esse tipo de situação”, diz Freire.

O que as empresas devem oferecer aos seus funcionários?

A CLT determina que o empregador providencie aos seus funcionários um ambiente salubre.

Normas regulamentadoras que descrevem as condições de trabalho para cada categoria citam a necessidade de haver sabonete ou outro material para higienização das mãos. Não há previsões específicas para doenças que não sejam ligadas à atividade laboral, como é o caso da covid-19. A nova lei sobre coronavírus não faz referência ao tema.

No entanto, a OMS divulgou orientações para reduzir o risco em ambientes de trabalho. Algumas delas são:

Posso me recusar a trabalhar? Que tipo de conflito trabalhista pode surgir?

O Artigo 483 da CLT diz que um funcionário não é obrigado a trabalhar em áreas que lhe ofereçam risco ou perigo iminente.

Se a empresa insistir em colocar o funcionário em risco, ele pode até mesmo exigir a rescisão do contrato se estiver correndo “perigo manifesto de mal considerável”, como diz a lei trabalhista.

No entanto, não é qualquer cenário que configura risco iminente. Alguns poderiam se encaixar nessa categoria, avaliam especialistas.

Se um empregador recusar um atestado médico, por exemplo, estaria colocando em risco seus funcionários. Esses trabalhadores podem se recusar a frequentar aquele ambiente.

Outra situação que pode gerar conflito é a de trabalhadores da área de saúde que não recebem equipamento de proteção adequado.

Os especialistas dizem que trabalhadores que viajam para lugares onde a contaminação está endêmica também podem recusar essas tarefas, por ser um comportamento arriscado.

“Recomendamos que as empresas não façam isso, para evitar uma situação de contágio. Mas se houver extrema necessidade, acho que vale o diálogo, já que as autoridades não estão, até o momento, impondo restrições de viagem”, diz Freire.

E se meus filhos não puderem ir à escola?

Algumas escolas particulares de São Paulo, onde estão os casos confirmados da doença covid-19, recomendaram quarentena para crianças que voltaram de países onde a doença está mais disseminada. No entanto, ainda não houve cancelamento de aulas.

Se houver e os pais não tiverem com quem deixar as crianças, não poderão, em tese, se ausentar do trabalho para ficar com elas. Nesse caso, não há justificativa prevista em lei, portanto a empresa poderia até mesmo descontar a ausência do salário.

Até agora, no entanto, nenhuma criança de até nove anos morreu em decorrência do covid-19. Casos entre crianças têm sido raros.

A resposta para isso passa por pelo menos três teorias: as crianças teriam um sistema imunológico mais forte, levando a menos complicações e, consequentemente, menos diagnósticos oficiais; o início do surto coincidiu com o período de férias expondo as crianças a menor risco de contágio e há também a possibilidade de o coronavírus ser mais um do rol de vírus com sintomas mais brandos em crianças, como o da catapora, o que também gera menor detecção formal pelo sistema de saúde.

G1, 12 de março de 2020