Nesta sexta-feira (17/4), o STF julgou a constitucionalidade de dispositivos da MP 936, que institui um programa emergencial para a manutenção do emprego, da renda e da atividade econômica durante a epidemia de Covid-19. Trata-se da ADI 6.363.
O principal dispositivo atacado trata da possibilidade de acordos individuais — entre patrão e empregado — poderem reduzir jornada de trabalho, salários ou mesmo suspender temporariamente contratos laborais.
Mas o parágrafo 4º do artigo 11 da MP prevê que os acordos individuais que preveem as restrições “deverão ser comunicados pelos empregadores ao respectivo sindicato laboral, no prazo de até dez dias corridos, contado da data de sua celebração”.
Assim, ficou a dúvida: qual o papel dos sindicatos nessa negociação?
Liminar do relator da ação, ministro Ricardo Lewandowski, determinou que se deve dar interpretação conforme à Constituição ao dispositivo: durante o prazo de dez dias (após o acordo individual), o sindicato pode deflagar “a negociação coletiva, importando sua inércia em anuência com o acordado pelas partes”.
Ou seja, a palavra final ficaria com o sindicato.
No entanto, no julgamento pelo Plenário desta sexta (17/4), prevaleceu entendimento contrário, o do voto divergente do ministro Alexandre de Moraes. Para ele, o empregado pode não aderir ao acordo individual, assumindo o risco de ser dispensado. A liminar de Lewandowski, então, acabou sendo cassada.
Segundo o entendimento prevalecente, condicionar acordos já celebrados ao crivo posterior dos sindicatos prejudica a segurança jurídica e coloca em risco valores constitucionais como proteção social ao emprego e proporcionalidade, além de reduzir a eficácia da medida provisória.
Alguns advogados ouvidos pela ConJur elogiaram a decisão, destacando a segurança jurídica que ela traz. Outros chamaram a atenção para o fato de que os acordos individuais não necessariamente serão celebrados com paridade de armas.
Segurança jurídica
Para Antonio Carlos Aguiar, especialista em Direito do Trabalho, sócio do Peixoto & Cury Advogados, “a decisão do STF traz segurança jurídica às relações trabalhistas em tempos de calamidade pública”. “Não há conflito coletivo a ser resolvido, mas convergência na necessidade de alternativas para manutenção de ambos os envolvidos: a empresa na sua atividade e o empregado na sua dignidade (sobrevivência digna).”
Marcelo Marinho, sócio do Terciotti Andrade Gomes Donato, concorda.
“Estamos vivendo um momento histórico na economia e nas relações de trabalho da era moderna. A cassação da liminar gera uma maior segurança jurídica para empregadores e empregados, porque confere a possibilidade de celebração de acordo individual diretamente entre as partes, sem a chancela do sindicato profissional. Tanto os empregadores quantos os empregados precisam de medidas rápidas e urgentes. Levar todos os acordos celebrados à chancela sindical significaria prejudicar enormemente o objetivo da norma, que é a preservação dos empregos e consequentemente da economia. Momento excepcional, medida excepcional.”
Carlos Eduardo Dantas Costa, sócio do Peixoto & Cury Advogados e professor da FGV-SP, ressalta que “a decisão deve fazer com que os acordos voltem a ganhar maior velocidade e volume, uma vez que as empresas tratarão diretamente com os empregados, sem envolvimento dos sindicatos”.
Direito Constitucional de crise
Segundo Paula Corina Santone, sócia da área Trabalhista do Rayes & Fagundes Advogados, “prevaleceu o entendimento de que o caso concreto merecia um julgamento dentro da razoabilidade e da realidade imposta pela pandemia do novo coronavírus e que era importante reconhecer um Direito Constitucional de crise, já que a MP veio para preservar os empregos e a renda dos trabalhadores”.
Ela destaca, contudo, que ainda é preciso aguardar o resultado do julgamento do mérito da ADI, pois a sessão desta sexta apreciou apenas a medida cautelar. Mas o novo julgamento “provavelmente seguirá a linha do quanto observado nesta sessão de hoje”.
Em nota divulgada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), a decisão do STF “garantirá a sobrevivência de empresas e preservação de empregos”.
Negociação?
Para José Roberto Dantas Oliva, advogado e juiz do Trabalho aposentado, apesar de os sindicatos estarem perdendo protagonismo na defesa dos trabalhadores — principalmente após a reforma —, as categorias estão sendo tratadas como se tivessem condições de negociar. “Evidentemente, não têm. Há um desequilíbrio socioeconômico. Haverá perdas irreparáveis”, afirma.
“Infelizmente estamos vivendo um momento de enorme retrocesso social que nem mesmo a pandemia justifica. Obviamente, num Estado Democrático de Direito, respeita-se a decisão da Suprema Corte, mas, com todo respeito, entendo que os sindicatos teriam, sim, condições de negociar, ainda que se valendo de ferramentas e mídias eletrônicas, como aquelas, aliás, que têm sido utilizadas pelo próprio Poder Judiciário. Muitos estão fazendo isso. A Constituição, a meu sentir, sai arranhada, infectada por uma medida provisória que, ao menos até que o Congresso a analise, surtirá efeitos”, diz Dantas Oliva, que publicou artigo a respeito na ConJur nesta quarta-feira (15/4).
Tainã Góis, do escritório Mauro Menezes & Advogados, afirma que a função dos sindicatos “seria justamente a de garantir acordos mais justos, capazes de mitigar os efeitos das crises, permitindo a organização social contra a atuação que leva em consideração interesses privados”.
Outro crítico da decisão é Lívio Enescu, ex-presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo (AATSP). Para ele, poderá haver lesão aos direitos dos trabalhadores e aos princípios constitucionais que exigem a participação das entidades sindicais no negociação de condições especiais nas relações de trabalho. “Diante da pandemia e da vulnerabilidade dos trabalhadores, teremos a possibilidade do efetivo abuso do poder econômico nas relações de trabalho, que provocarão uma enxurrada de reclamações trabalhistas no período pós pandemia. Isso será um verdadeiro tiro no pé das empresas e dos empresários”.
A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) se manifestou a respeito: “Mesmo mantido o texto da MP 936 por decisão do STF, em apreciação liminar, há um trajeto a ser percorrido no Parlamento que certamente discutirá com cautela a conversão ou não em lei dos dispositivos, considerando as consequências sociais, sobretudo, das imposições que vierem de acordos individuais”.
ADI 6.363