Os sindicatos perderam 90% da receita com contribuição sindical em 2018. Na prática, estão trabalhando de graça para os trabalhadores que não pagam a taxa.
Fim da obrigatoriedade e pagamento por boletos
A contribuição sindical, ou imposto sindical, antes cobrada automaticamente de todos os empregados, se tornou voluntária em 2017, com a reforma trabalhista. Ela é anual e tem o valor equivalente ao salário de um dia de trabalho. A discussão voltou à tona neste ano, depois que o governo editou uma medida provisória que obriga a cobrança do imposto sindical a ser feita por boleto bancário, e não mais por desconto direto no salário.
A regra já está valendo, mas, como é provisória, pode ainda ser derrubada pelo Congresso. A intenção, segundo o governo, é reforçar a liberdade do trabalhador de escolher pagá-la ou não.
A preocupação das entidades sindicais e de advogados trabalhistas, por outro lado, é que a arrecadação caia e enfraqueça os sindicatos ainda mais.
Se tem direito de graça, ninguém vai pagar
“Fecharam as torneiras, mas as obrigações continuam as mesmas”, disse o presidente da UGT (União Geral dos Trabalhadores), Ricardo Patah. “Nos outros países, só quem é associado tem direito às negociações coletivos; aqui não, negociamos para todos, e a lei não permite que não seja assim.”
“Por que a pessoa optaria por contribuir se ela vai receber os benefícios de qualquer maneira?”, disse o advogado trabalhista Ricardo Calcini.
Sindicatos querem cobrar, mas é inconstitucional
“Os sindicatos representam os trabalhadores nas negociações, e esse é um trabalho caro”, disse a advogada especializada em direito coletivo Lúcia Porto Noronha, sócia do escritório Crivelli Advogados. “Demanda estudos, advogados, consultoria. Uma campanha salarial começa seis meses antes, e todos os dias há empregadores descumprindo alguma legislação.”
Alguns sindicatos começaram a ensaiar a possibilidade de aplicar os benefícios conquistados, como piso e reajuste, apenas para quem se sindicalizasse, mas é um movimento difícil, já que a avaliação majoritária é de que é algo inconstitucional.
Piso e reajuste salarial valem para todos
Piso salarial, reajustes anuais, participação nos lucros, plano de saúde, vale-alimentação e vale-refeição são exemplos de benefícios que não estão previstos em lei, mas que passam a ser obrigatórios em um determinado setor uma vez que sejam conquistados pelo sindicato nos acordos coletivos.
Apoio jurídico para demissões em massa, processos trabalhistas e previdenciários é outro serviço fornecido a todos os trabalhadores, independentemente de contribuírem ou não.
Lazer e atendimento médico só para quem paga
Algumas atividades dos sindicatos são exclusivas para quem é associado, como lazer, colônia de férias, atendimento médico e plano de saúde.
Neste caso, o trabalhador paga uma mensalidade, como em um clube, que é independente do imposto sindical.
Lei fez surgir muitos sindicatos
A raiz do problema está na maneira como o sistema sindical foi estruturado no Brasil, junto com as leis trabalhistas, ainda durante o governo de Getúlio Vargas. No modelo brasileiro, todo trabalhador é representado por algum sindicato, mas não pode escolher. Existe apenas um sindicato para cada categoria, por cidade ou região, e é a ele que os empregados ficam vinculados. É a chamada unicidade sindical.
A contribuição sindical obrigatória era um pilar dessa estrutura, já que a representatividade também é obrigatória. Com isso, além de não haver concorrência, o fato de a representação ser quase municipal criou uma profusão gigante de sindicatos: são 18 mil atualmente, enquanto em outros países não é incomum esse número ser próximo de cem. O resultado é uma rede altamente custosa e, em muitos casos, pouco eficiente no sentido de conquistar mais e melhores direitos para seus representados, base do argumento daqueles que acham que uma contribuição obrigatória é um abuso ao trabalhador.
Pluralidade sindical é alternativa
“A tendência, com a situação que foi criada, é que caminhemos para um modelo de pluralidade sindical”, disse o sócio da área trabalhista do escritório Machado Meyer Advogados, Rodrigo Takano. A opção já chegou a ser considerada pelo governo. É o modelo pelo qual existem mais opções de entidade por categoria, e o trabalhador pode escolher a qual se filiar de acordo com os melhores benefícios para ele.
Por outro lado, quem não for sindicalizado não teria direito a nada, incluindo os pisos e reajustes negociados. Segundo Takano, com o tempo, isso tende a enxugar a estrutura atual e fazer com que apenas os sindicatos realmente atuantes sobrevivam. “[O fim da unicidade] pode até ser uma alternativa de mudança na estrutura sindical, mas isso não pode ser enfiado goela abaixo como foi feito”, disse Patah, da UGT.
“Toda e qualquer mudança, com diálogo, traz benefícios para todos.”