Modelos de trabalho têm prós e contras, e é preciso colocar tudo na balança antes de escolher entre um ou outro.

Valdecir Galor/SMCS/Divulgação

O único tipo de ocupação que vem crescendo de forma relevante no Brasil nos último meses é o de trabalho “por conta própria, com CNPJ”. Na comparação entre o primeiro trimestre deste ano, com o dado do mesmo período de 2018, a alta é de 9,2%, conforme dados da Pnad do IBGE. Em igual intervalo de comparação, o total de trabalhadores contratados com carteira assinada no setor privado cresceu apenas 0,2%, inferior ao avanço da população com idade para trabalhar.

No papel, todos que trabalham em uma única empresa, têm chefe e regularidade de horário, são empregados, e deveriam ser contratados com base na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Mas a vida real é diferente e sabe-se que, muitas vezes, o trabalhador se vê numa situação de ter que escolher entre uma posição formal, como funcionário CLT, e outra como “PJ”, em referência à contratação como prestador de serviço pessoa jurídica (às vezes ganhando um salário líquido mensal um pouco maior) — seja na mesma empresa, ou numa concorrente.

Como funciona a CLT

A contratação como CLT traz um conjunto de benefícios e direitos ao trabalhador, entre eles, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), 13º salário e férias — que podem ser divididas em até três períodos, conforme a nova lei trabalhista, explica o advogado Victor Saldanha, do escritório BNZ.

“O funcionário pode fracionar as férias em até três períodos, mas nenhum deles pode ser inferior a cinco dias. É uma vantagem, porque o empregado pode negociar mais diretamente com o empregador”, diz.

O especialista lembra que o contrato CLT prevê, após 12 meses de trabalho, 30 dias de férias mais um terço da remuneração durante esse período de descanso e lazer.

Outro benefício de ser contratado pelo regime CLT é o seguro-desemprego, concedido a trabalhadores demitidos sem justa causa. Nesse caso, a pessoa precisa comprovar que não tem outro registro em carteira e que não está recebendo algum benefício de prestação continuada da Previdência Social, exceto pensão por morte ou auxílio-acidente.“Na primeira solicitação do seguro, o trabalhador deve comprovar vínculo de 12 meses nos últimos 18. Na segunda solicitação, são pelo menos nove meses nos últimos 12”, explica Saldanha. Para demais solicitações, é necessário comprovar cada um dos seis meses imediatamente anteriores à data de dispensa.“Se a pessoa for dispensada, o patrão é obrigado a indenizar o profissional com 40% sobre o saldo depositado pela empresa durante o período trabalhado”, observa Francisco Melo Júnior, diretor técnico do escritório de contabilidade on-line ContSimples.

Por exemplo, se o empregado tem R$ 10 mil de saldo dos depósitos feitos pela empresa ao longo dos anos, ao ser demitido, terá direito a um pagamento adicional de 40% sobre essa quantia, ou seja, R$ 4 mil.

Com base na convenção coletiva de cada categoria, as empresas também costumam oferecer aos funcionários benefícios como plano de saúde, vale-alimentação, vale-refeição, auxílio-creche, cesta básica, entre outros. O pacote varia conforme o cargo e o perfil da companhia.

Já no caso do vale-transporte, a concessão do benefício é obrigatória. Pela lei, o empregador pode descontar até 6% do salário bruto do funcionário. Se a quantia for menor que esse percentual, é levado em conta o menor valor. Caso ultrapasse 6%, a diferença precisa ser paga pela empresa.

Descontos pesam

“Quem está contratado como CLT normalmente tem uma garantia de emprego, não pode ser mandado embora de uma hora para outra, sem indenização. Em contrapartida, tem desconto de IR e INSS”, aponta Melo Júnior.

No caso da contribuição paga ao INSS, as alíquotas variam de 8% a 11%, conforme o salário do trabalhador (veja tabela abaixo).

Tabela de INSS para empregado, doméstico e trabalhador avulso (2019)

Salário de contribuição, em R$ Alíquota, em %
Até 1.751,81 8
De 1.751,82 a 2.919,72 9
De 2.919,73 até 5.839,45 11

Fonte: INSS

Também há a mordida do Leão, cujo desconto segue a chamada tabela progressiva (veja abaixo), com alíquotas que vão de zero a 27,5%.

Tabela de IR – Incidência mensal

Base de cálculo, em R$ Alíquota, em % Parcela a reduzir do IR, e %
Até 1.903,98
De 1.903,99 até 2.826,65 7,5 142,80
De 2.826,66 até 3.751,05 15 354,80
De 3.751,06 até 4.664,68 22,5 636,13
Acima de 4.664,68 27,5 869,36

Fonte: Receita Federal (A partir do ano-calendário 2015)

Para Saldanha, uma das principais desvantagens do regime CLT é o custo trabalhista na folha do empregado, como os dois descontos (IR e INSS). Daí a escolha de muitos profissionais pela modalidade PJ, que também pode ser vantajosa para as empresas.

“A grande vantagem da contratação PJ é o menor recolhimento de imposto. Como PJ, vai acabar recolhendo só IR, que precisa declarar como empresa. Além disso, o contrato não prevê relação de emprego”, aponta. Na prática, assina-se um contrato de prestação de serviços.

PJ: livre, mas sem direitos

Na visão dos especialistas, o modelo PJ traz maior liberdade e flexibilidade aos profissionais, apesar de não contar com os direitos e benefícios previstos na CLT.

“Mas é importante se organizar financeiramente porque, como pessoa jurídica, passa a ter obrigações diretas com o governo, como pagamento de impostos – que varia conforme o faturamento e a atividade da empresa”, explica Melo Júnior, da ContSimples.

Na maioria dos casos, com exceção de quem trabalha como Microempreendedor Individual (MEI) será preciso contratar um contador. A despesa, que corresponde normalmente a meio salário mínimo, também deve ser levada em consideração.

“Isso pode ser realizado desde que a pessoa, claro, cumpra o que firmou no contrato de prestação de serviços”, diz Saldanha.

Ao adotar o modelo PJ, a recomendação também é fazer uma provisão de gastos para custear plano de saúde, alimentação, transporte e outras despesas relacionadas ao dia a dia do trabalho.

Outra orientação é montar uma reserva financeira equivalente a, no mínimo, seis meses dos gastos mensais. Esse colchão vai ajudar a atravessar períodos de desemprego ou eventuais problemas de saúde.

Valor Investe, 29 de maio de 2019