Pandemia pode ser porta de entrada para mais flexibilização, quando o país precisa de outro modelo
A pandemia não pode ser oportunidade para fragilizar ainda mais a organização sindical e reduzir direitos, mas deve ser momento de discussão com vista a um novo modelo econômico social, avaliam presidentes de seis centrais sindicais e o jornalista e cientista político Leonardo Sakamoto. Eles participaram de debate na tarde desta sexta-feira (22) sobre como sair da rota da precarização e retomar o rumo do desenvolvimento, com inclusão social.
Sakamoto observou que propostas que incluem redução de direitos, apresentados como alternativas para atenuar a crise, já começam a ser vistas como ensaio de uma nova “reforma” trabalhista. “Ninguém é contra a atualização das relações trabalhistas ou garantir mais força para a negociação coletiva”, observou, acrescentando que o problema é “aproveitar uma vulnerabilidade” para implementar políticas – que deixariam de ser emergenciais e se tornariam de longo prazo.
Ele apontou certa ironia no fato de as medidas permitirem acordos individuais para redução de direitos, depois que a “reforma” de 2017 foi implementada sob argumento da necessidade da negociação direta entre empresas e representantes dos trabalhadores. Há duas décadas acompanhando a situação do trabalho escravo no Brasil, Sakamoto chamou a atenção para outros riscos da pandemia.
Aumento do flagelo
Há poucos dias, o relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para Formas Contemporâneas de Escravidão, Tomoya Obokata, afirmou que a crise “provavelmente irá aumentar o flagelo da escravidão moderna”, que atinge mais de 40 milhões de pessoas no mundo. O jornalista lembra que, neste momento, é dever do poder público garantir recursos e formas de proteção, assegurar que a Constituição e as leis trabalhistas sejam cumpridas. “É isso que ele (relator) está falando: o Estado tem que proteger o mais vulneráveis.”
Para o presidente da CUT, Sérgio Nobre, o debate tem ver com o modelo de país, que precisa privilegiar o trabalho qualificado e os interesses nacionais. Ele citou viagem feita 10 anos atrás à fábrica central da Volkswagen, em Wolfsburg, na Alemanha. De 30 mil trabalhadores, metade estava na área de engenharia, destacou. Pouco tempo depois, o sindicalista foi a uma fábrica no interior de São Paulo, em que praticamente os 5 mil empregados estavam na montagem de equipamentos importados, já que não havia produção própria.
“Isso é grave por quê? Porque nenhum país do mundo conseguiu dar um padrão de vida decente para o seu povo sem ter uma base industrial muito forte, organizada. E o Brasil vem na contramão”, comentou Sérgio Nobre. “A gente vem destruindo emprego de qualidade e incentivado emprego precário. Temos de rever o nosso modelo de país, precisamos de um projeto nacional de desenvolvimento”, defendeu.
Antes mesmo da crise sanitária, o quadro econômico mundial já era desfavorável, disse o presidente da CTB, Adilson Araújo. “A percepção que eu tenho é que a pandemia inaugura a era da dissolução dos direitos sociais e trabalhistas e reinaugura, reinstaura a escravidão”, afirmou.
Depois de uma “reforma” construída sob o slogan da “modernização”, ele aponta tendência de aumento do trabalho análogo à escravidão e mais concentração de renda. “A tendência é que o quadro venha a piorar.” Adilson cita projeções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal) de aumento do desemprego e da desigualdade.
Informalidade e precarização
Enquanto o presidente da UGT, Ricardo Patah, vê o governo no “sentido contrário” ao da liberdade de expressão, um cenário de aumento da informalidade e falta de políticas eficazes de inclusão”, o líder da Força Sindical, Miguel Torres, avalia que o Brasil está “sem controle”. Ele defendeu a unidade entre as centrais sindicais, mas acredita que o movimento não conseguiu mostrar que as “reformas” levariam o país ao caminho contrário do prometido, com retração econômica e perda de emprego de qualidade. Além disso, muitos trabalhadores da nova geração não sabem que os direitos contidos nas convenções coletivas e nas leis foram resultados de muita mobilização e de ação sindical.
O presidente da CSB, Antonio Neto, lembrou que a terceirização surgiu como sinônimo de especialização, mas no Brasil tornou-se um equivalente à precarização. “Nunca vi flexibilizar para cima”, comentou. Por fim, José Calixto, da Nova Central, disse que “o sindicalismo está desafio a se renovar para atuar como agente de transformação, gerar qualidade no mundo do trabalho”.
Sakamoto observou que os direitos previstos no Artigo 7º da Constituição e na CLT “não surgiram do nada, são frutos de anos e anos de luta”. E citou a Emenda Constitucional 95, do teto de gastos, como empecilho para garantir não apenas cidadania, mas oferecer mão de obra qualificada ao setor produtivo. E apontou como desafio ao movimento sindical a comunicação com os jovens trabalhadores, que se acostumaram a ouvir que a ação do Estado e dos sindicatos é negativa. “Acredito que há uma guerra de comunicação contra a organização dos trabalhadores e a presença dos sindicatos, Isso precisa ser enfrentado. A luta por melhores condições de trabalho unifica outras”, afirmou.