Apesar do número nada animador de mais de meio milhão de casos diagnosticados de Covid-19 no Brasil até o último sábado (30/5), vários estados já preparam uma reabertura do comércio.
A cidade de São Paulo, por exemplo, começou a receber nesta segunda-feira (1/6), protocolos enviados por associações para verificar a possibilidade de reabertura de estabelecimentos comerciais dos setores de imobiliárias, concessionárias, escritórios, comércio de rua e shopping centers.
Em Brasília, os shoppings foram reabertos no último dia 27 com filas. Rio de Janeiro e Manaus também já ensaiam uma reabertura. Além dos aspectos sanitários, as empresas que retomarem suas atividades devem se atentar a aspectos legais durante o avanço do novo coronavírus.
Um dos aspectos mais relevantes é a possibilidade de a Covid-19 ser enquadrada como uma doença laboral pela Justiça do Trabalho e a possibilidade de multa por parte dos auditores fiscais do setor. A normativa passou a vigorar após o colegiado do Supremo Tribunal Federal decidir, por maioria, suspender dois artigos da Medida Provisória 927 que disciplinam as relações trabalhistas durante o período da pandemia.
O artigo 29 estabelece que o coronavírus não é doença ocupacional, exceto mediante comprovação do nexo causal. Já o artigo 31 suspendeu a atuação dos auditores fiscais do trabalho por 180 dias. Foram sete votos para declarar que as normas são inconstitucionais.
O advogado Alberto Brandão, coordenador do núcleo trabalhista do Escritório Sotto Maior & Nagel, afirma que a decisão do STF tem gerado uma enorme preocupação nas empresas. “Antes de pensar em reabertura é preciso informar os funcionários dos procedimentos que devem ser adotados e pensar em escalonar as jornadas de trabalho e, se possível, dar a possibilidade do trabalhador adotar horários alternativos”, explica.
O afastamento de funcionários que se enquadram no grupo de risco é outra medida recomendada pelo advogado. A possibilidade de alegar o Fato do príncipe em localidades em que autoridades públicas liberaram a reabertura de forma açodada é descartada por Brandão. “Isso não vai funcionar. Em Blumenau, por exemplo, foi uma das cidades pioneiras na liberação dos shopping centers, mas houve grande mobilização dos empresários pela reabertura por lá. E a responsabilidade de garantir a segurança dos funcionários é do empregador”, explica.
Ônus da prova
O colunista da ConJur e professor de pós-graduação da FMU, Ricardo Calcini, é favorável ao posicionamento do STF e destaca que é importante entender que a decisão incentiva a tomada de medidas sanitárias pelas empresas.
“Segundo o artigo 29 da MP 927, todos que contraíssem a Covid-19 precisariam comprovar nexo causal, pois a presunção seria a de que a doença viral não teria sido contraída no trabalho. Não se pode dizer, de forma alguma, que o STF tenha decidido que a Covid-19 seja doença do trabalho ou acidente de trabalho. Era uma questão de ônus da prova e caberia ao empregado lutar contra a presunção”, explica.
Calcini lembra que, “comprovada a não observância das regras de segurança, por conduta negligente da empresa, colocando em risco a integridade física dos seus empregados, há nexo causal apto a imputar a responsabilidade empresa pela ocorrência da doença ocupacional”. “Contudo, se na particularidade do caso, por exemplo, ficar evidenciada a culpa exclusiva da vítima por ter contraído Covid-19, naturalmente rompe-se o nexo de causalidade, afastando o coronavírus como doença equiparada a acidente do trabalho.”
Outro ponto da MP 927 que foi suspenso pelo Supremo foi o artigo 31. Para o advogado trabalhista Lívio Enescu, o artigo violava o direito do trabalhador. “Em relação à regra disposta no artigo 31, da mesma MP, o STF entendeu que a absurda restrição a atuação dos auditores fiscais do trabalho repete a ofensa contra a saúde dos trabalhadores, mitigando por demais o combate à pandemia e diminuindo nesse momento tão difícil e excepcional a fiscalização no cumprimento pelas empresas dos direitos trabalhistas, nessa situação de risco iminente. Essa pandemia de péssimas MPs que estão sendo editadas pelo Executivo violam o Direito do Trabalho e prejudicam os trabalhadores. Isso é uma verdadeira tragédia”, lamenta.