Tem sido comum nos últimos anos, no Brasil, ouvir e ver anúncios da deflagração de greves envolvendo determinados setores da economia, contra propostas governamentais de reformas que poderão afetar direitos dos trabalhadores, como as reformas trabalhista e da Previdência Social.
A questão que logo surge diz respeito a saber se esse tipo de manifestação dos trabalhadores encontra guarida no sistema legal brasileiro, ou, em outras palavras, se é permitida ou não, se é abusiva ou não a manifestação.
Na doutrina e na jurisprudência existem divergências. Os juslaboralistas tendem pela ilegalidade dessas manifestações-protestos, dizendo que são greves políticas, que somente pode ser aceita a greve tendente a pressionar o setor patronal diretamente para buscar a assinatura de uma convenção coletiva de trabalho.
Já os constitucionalistas pensam de forma mais abrangente sobre o alcance do direito de greve, dizendo que a Constituição Federal o assegura, por si própria (artigo 9º), e a lei não pode restringir o direito nem quanto à oportunidade de exercê-lo nem sobre os interesses que, por meio dele, devam ser defendidos, porque compete aos trabalhadores declarar greves reivindicatórias, objetivando a melhoria das condições de trabalho, ou greves de solidariedade, em apoio a outras categorias ou grupos reprimidos, ou greves políticas, com o fim de conseguir as transformações econômico-sociais que a sociedade requeira, ou greves de protestos (José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 268. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989).
As decisões judiciais igualmente divergem sobre o tema. Exemplos recentes foram observados às vésperas da greve-protesto de 14 de junho contra a reforma da Previdência Social em andamento no Brasil. No Processo 1001617-35.2019.5.02.000, em sede de liminar preventiva, foi proibida a greve, determinando-se que os trabalhadores cumprissem 100% das atividades, sob pena de multa diária de R$ 1 milhão a ser paga pelo respectivo sindicato profissional. Já no Processo 0006941-60.2019.5.15.0000, também em sede liminar preventiva, foi admitido o exercício da greve-protesto e determinada multa de R$ 1 milhão a ser paga pelo setor patronal, caso praticasse algum ato antissindical voltado a inviabilizar referido direito pelos trabalhadores.
O artigo 9º da Constituição Federal diz que a greve é um direito dos trabalhadores e a eles compete decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre o direito a ser tutelado.
A Lei 4.330/64 (artigo 22) proibia expressamente a greve política e de solidariedade ou de apoio, nos seguintes termos: “A greve será reputada ilegal: III — se deflagrada por motivos políticos, partidários, religiosos, sociais, de apoio ou solidariedade, sem quaisquer reivindicações que interessem, direta ou legitimamente, à categoria profissional”.
A Constituição de 1988 não trata expressamente do tema, mas diz
que “é assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender” (artigo 9º, caput). Nessa mesma linha é a Lei 7.783/89 (artigo 1º), que apenas proíbe o lockout (artigo 17).
O tema é complexo e seu entendimento deve decorrer da interpretação e alcance do artigo 9º da CF, do qual decorre que o direito de greve, embora não seja um direito absoluto e irrestrito, está assegurado de forma ampla aos trabalhadores para a defesa de seus interesses, quer trabalhistas stricto sensu, quer profissionais lato sensu, aqui considerados aqueles que constituem o chamado piso vital mínimo do cidadão, consagrados no artigo 6º da Constituição Federal.
O Comitê de Liberdade Sindical e a Comissão de Peritos da Organização Internacional do Trabalho (OIT) têm rejeitado a tese de que o direito de greve deva se limitar aos conflitos de trabalho suscetíveis de finalizar uma convenção coletiva de trabalho apenas. Para esses órgãos, as reivindicações a se defender com a greve podem ser de três categorias: (i) as de natureza trabalhista, que buscam garantir ou melhorar as condições de trabalho e de vida dos trabalhadores; (ii) as de natureza sindical, que buscam garantir e desenvolver os direitos das organizações sindicais e de seus dirigentes; (iii)as de natureza política, que têm por fim, embora indiretamente, a defesa dos interesses econômicos e sociais dos trabalhadores.
Assim, parece consentânea com o princípio da liberdade sindical a interpretação do artigo 9º da Constituição sobre o alcance do direito de greve, na linha do entendimento da OIT, de não admitir a greve puramente política, que não está abrangida pelos princípios da liberdade sindical (Convenção 87, artigo 10), mas que os interesses profissionais e econômicos que os trabalhadores defendem com o direito de greve abrangem não só a conquista de melhores condições de trabalho ou as reivindicações coletivas de ordem profissional, mas englobam também a busca de soluções para as questões de políticas econômica e social. Nesse sentido, o Comitê de Liberdade Sindical tem considerado que a declaração de ilegalidade de uma greve nacional de protesto contra as consequências sociais e trabalhistas da política econômica do governo e sua proibição constituem grave violação da liberdade sindical.
Diante do exposto e considerando que o artigo 9º da Constituição brasileira assegura aos trabalhadores o direito de greve, a quem compete decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender, tem-se como ponderado compreender nessa disposição a possibilidade e legalidade de greve-protesto contra medidas governamentais capazes de atingir os direitos dos trabalhadores como tais.