Num flagrante de vassalagem dos procuradores da Operação Lava Jato diante do então juiz Sérgio Moro, trecho inédito revelado da conversa travada no Telegram entre procuradores da República — desta feita entre Deltan Dallagnol e Carlos Fernando dos Santos Lima — evidencia que os fatos contradizem a fala do ministro na audiência desta quarta na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. A informação é do Blog de Reinaldo Azevedo, no Portal UOL.
Ou por outra, diz ele: a sua ação interferiu de maneira evidente até na escalação de procuradores para participar de audiência da Lava Jato. A revelação da conversa faz parte de uma apuração conjunta do site “The Intercept Brasil” com o blog de Reinaldo Azevedo e com o programa “O É da Coisa”, da BandNews FM.
Na primeira série de reportagens publicadas pelo site The Intercept Brasil, há uma troca de mensagens entre o então juiz Sergio Moro e Dallagnol. A conversa aconteceu no dia 13 de março de 2017. Interferindo de maneira escancarada no processo e na rotina da força-tarefa, Moro reclama com Dallagnol do desempenho da procuradora Laura Tessler.
O assunto compareceu na audiência desta quarta. Às 6h20min13s (vídeo abaixo), o senador Nelsinho Trade (PSD-MS) pergunta se Moro, quando juiz, “participou da orientação de trocas de agentes protagonistas nessa operação”. Ele se referia justamente à procuradora Laura Tessler. E Moro dá a seguinte resposta a partir de 6h23min57s:
Isso é o que diz Moro, alerta Reinaldo Azevedo. Em seguida, ele apresenta os fatos.
Dezessete minutos depois de receber a mensagem do então juiz, Dallagnol passa a seguinte mensagem a seu colega Carlos Fernando:
12:42:34 Deltan Recebeu a msg do moro sobre a audiência tb?
13:09:44 Não. O que ele disse?
13:11:42 Deltan Não comenta com ninguém e me assegura que teu telegram não tá aberto aí no computador e que outras pessoas não estão vendo por aí, que falo
13:12:28 Deltan (Vc vai entender por que estou pedindo isso)
13:13:31 Ele está só para mim. 13:14:06 Depois, apagamos o conteúdo.
13:16:35 Deltan Prezado, a colega Laura Tessler de vcs é excelente profissional, mas para inquirição em audiência, ela não vai muito bem. Desculpe dizer isso, mas com discrição, tente dar uns conselhos a ela, para o próprio bem dela. Um treinamento faria bem. Favor manter reservada essa mensagem.
13:17:03 Vou apagar, ok?
13:17:07 Deltan apaga sim.
13:17:03 Vou apagar, ok?
13:17:07 Deltan apaga sim
13:17:26 Apagado.
13:17:26 Deltan Vamos ver como está a escala e talvez sugerir que vão 2, e fazer uma reunião sobre estratégia de inquirição, sem mencionar ela.
13:18:11 Por isso tinha sugerido que Júlio ou Robinho fossem também. No do Lula não podemos deixar acontecer.
13:18:32 Apaguei.
Como se nota acima, Diz Reinaldo Azevedo, Dallagnol repassa a mensagem de Moro para Carlos Fernando. Mais do que isso: ele demonstra a disposição de mexer na escala dos procuradores para enviar para a audiência com Lula pessoas que estejam ao gosto do juiz. “Ora, Moro não sugeriu ou ordenou a troca explicitamente. Mas a interferência é evidente, e a sugestão estava dada”, enfatiza.
Dois meses depois, no dia 10 de maio de 2017, o ex-presidente Lula depunha, então, pela primeira vez em Curitiba. Do outro lado da mesa, Sérgio Moro — aquele que, na prática, coordenava a Lava Jato. Não! Laura Tessler não estava presente. Representaram o Ministério Público Federal justamente “Júlio” e “Robinho — respectivamente, Júlio Noronha e Roberson Pozzobon.
Azevedo lembra que a fala de Sérgio Moro reúne um conjunto de absurdos. “Note-se que, ao mesmo tempo em que põe em dúvida a veracidade dos diálogos, diz não haver neles nada de mais. Há, sim! Fraudam o Código de Ética da Magistratura e o Inciso IV do Artigo 254 do Código de Processo Penal”, destaca.
Trata-se de um dos momentos em que o juiz interfere no andamento da Lava Jato e na rotina interna do próprio Ministério Público Federal, afirma. “E, como se nota, os procuradores atuam segundo o seu gosto.”
Laura Tessler não foi expulsa da Lava Jato. Mas não participou da audiência com Lula. Afinal, como escreveu Carlos Fernando, “no do Lula, não podemos deixar acontecer”, prossegue.
E arremata: “Notem os cuidados de Dallagnol e Carlos Fernando. Eles sabem que o trio está numa operação que frauda as regras do jogo, que contraria a lei. O interlocutor de Dallagnol fala duas vezes em apagar a mensagem. Parece que Carlos Fernando apagou, mas Dallagnol não.”