Projeto do contrato verde e amarelo não alterou realidade do mercado de trabalho. Governo diz que vai reeditar proposta.

Em audiência pública, o então secretário Rogério Marinho (à dir.) chegou a falar em quase 2 milhões de possíveis novas vagas, o que nunca ocorreu

Com cinco meses em vigor, até ser revogada, a Medida Provisória (MP) 905 soma-se a um rol de planos anunciados pelo governo Jair Bolsonaro e pelo anterior, de Michel Temer, para “modernizar” as relações de trabalho e criar empregos. Como os demais, não surtiu efeito. Não se tem notícia de abertura de postos de trabalho com base na MP, que era voltada inicialmente para o primeiro emprego de jovens de 18 a 29 anos. No Congresso, foram incluídos trabalhadores com mais de 55 anos, desempregados há pelo menos 12 meses.

Cinco entidades patronais foram procuradas, entre ontem e hoje (23), para saber se alguma empresa do setor contratou com base na MP 905, editada pelo governo em novembro, até ser revogada por outra MP (955), na segunda-feira. Apenas duas responderam: a Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast) disse não ter informação de alguma iniciativa nesse sentido. Na tarde desta sexta (24), a Alshop (lojistas de shoppings) informou não ter conhecimento de contratação baseada na medida.

CNI inspirou

Durante audiência pública no Congresso, em fevereiro, o gerente de Relações do Trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Alexandre Furlan, declarou que a medida, do chamado “contrato de trabalho verde e amarelo”, era um passo importante para continuar o que a entidade chama de “modernização trabalhista”. A CNI foi inspiradora da “reforma” trabalhista implementada em 2017. A proposta “caminha no sentido do nosso desenvolvimento econômico”, disse o gerente.

Pelo governo, quem esteve na linha de frente para defender o projeto foi o então secretário especial da Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, agora ministro do Desenvolvimento Regional. Também em fevereiro, ele participou de audiência pública e disse esperar que o contrato patriota criasse 1,8 milhão de empregos formais.

A CNI foi uma das entidades procuradas para informar se tinha conhecimento de alguma empresa que houvesse contratado com base na MP 905. Não deu retorno, assim como a Abimaq (indústria de máquinas) e a Abiquim (indústria química). Ontem (22), a Abimaq divulgou balanço informando que a crise deflagrada pela pandemia já provocou 11 mil demissões no setor.

Informal e contra própria

Em novembro de 2017, quando entrou em vigor a Lei 13.467, que alterou a CLT, a taxa de desemprego no país era de 12%, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE. Pelo último dado disponível, de fevereiro, está em 11,6%. O total estimado de desempregados também praticamente não se alterou: de 12,571 milhões para 12,343 milhões.

Nesse período, cresceu de fato o número de ocupados, hoje estimado em 93,710 milhões. Mas a entrada no mercado de trabalho se deu, basicamente, pela via informal. Os empregados com carteira no setor privado somam 33,624 milhões, 406 mil a mais em dois anos e meio. Já os sem carteira cresceram em 476 mil, para 11,644 milhões. E o que cresceu mesmo foi a quantidade de trabalhadores por conta própria: acréscimo de 1,438 milhão, atingindo 24,477 milhões.

Bolsa patrão

Dieese nunca considerou factível a argumentação de que a medida permitiria abertura de vagas. Para o instituto, a MP governista desonerava empresários via redução de direitos, sem qualquer garantia de aumento do nível de emprego. Era uma “bolsa patrão”.

A MP chegou a ser aprovada na Câmara, no último dia 14, com alterações. Mas nem foi votada no Senado, o que precisava acontecer até segunda -feira desta semana (20), para não perder a validade. Diante da impossibilidade de votar, o governo capitulou e revogou a medida. Promete apresentar outra, com mudanças.

Suspensão de contratos

Outra MP, a 936, teve melhor sorte até agora. De acordo com o balanço mais recente do Ministério da Economia, até ontem (22) à noite haviam sido firmados 3.511.599 acordos individuais, envolvendo 569 mil empregadores, incluindo suspensão de contratos e redução da jornada e salário. Mais da metade (59%) dos trabalhadores está em empresas menores, com receita bruta anual inferior a R$ 4,8 milhões.

A MP 936 foi questionada no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo partido Rede. O ministro Ricardo Lewandowski concedeu liminar para que as entidades sindicais fosse consultadas, mas essa decisão foi derrubada pelo plenário da Corte na última sexta (17).

RBA, 27 de abril de 2020