O presidente Jair Bolsonaro editou na noite deste domingo (22/3) uma medida provisória que flexibiliza normas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). As mudanças, segundo o governo, visam à “preservação do emprego e da renda” para enfrentamento das crises sanitária e econômica que se anunciam com a pandemia da Covid-19.


MP flexibiliza regras já existentes na
CLT – 
Marcos Santos/USP Imagens

A medida que causou maior polêmica é a que consta do artigo 18 da MP, segundo o qual os contratos de trabalho poderiam ser suspensos, pelo prazo de até quatro meses, para participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional não presencial oferecido pelo empregador.

Ocorre que tal suspensão seria feita sem o crivo de uma negociação coletiva. Além disso, apesar do objetivo de “preservar a renda”, a remuneração poderia ser igualmente suspensa, cabendo ao empregador a liberalidade de conceder ao funcionário uma “ajuda compensatória mensal, sem natureza salarial”.

Diante das críticas ao dispositivo, o presidente da República anunciou que revogará a medida. Contudo, outros dispositivos continuam valendo desde já, pois medidas provisórias têm efeitos imediatos — a não ser que o Planalto também decida alterá-los.

A ConJur separou os principais pontos da MP que modificam regras trabalhistas durante a a situação de calamidade pública e ouviu a opinião de advogados trabalhistas a respeito.

O artigo 3º da MP prevê oito medidas para o suposto enfrentamento da crise. Além da suspensão dos contratos, as outra sete providências são: teletrabalho; antecipação de férias individuais; concessão de férias coletivas; aproveitamento e a antecipação de feriados; banco de horas; suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho; diferimento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

Teletrabalho

O empregador poderá alterar o regime de presencial para trabalho em home office ou trabalho remoto. A medida também atinge estagiários e aprendizes. 

“Em até 30 dias da mudança do regime, deverá ser assinado termo por escrito, o qual deverá prever a responsabilidade do empregador e do empregado acerca da aquisição e/ou manutenção de equipamentos, bem como em relação ao reembolso ao empregado acerca de possíveis despesas oriundas do trabalho”, diz  o advogado trabalhista João Guilherme Walski de Almeida, da Andersen Ballão Advocacia

A MP também estabelece que empregado e empregador se comuniquem por aplicativos e programas de comunicação, como WhatsApp, Skype, entre outros. 

Antecipação de férias individuais

Walski também ressalta que os empregadores poderão antecipar as férias dos empregados, inclusive para aqueles que ainda não têm período aquisitivo completo. A medida prioriza a concessão de férias aos trabalhadores que fazem parte do grupo de risco.

O advogado explica que “a empresa deverá comunicar o trabalhador com antecedência mínima de 48 horas, por meio escrito ou eletrônico, e as férias concedidas deverão ser no mínimo de 5 dias”. 

Para o ano seguinte, a antecipação das férias fica sendo facultativa, devendo ser expressamente combinada entre patrão e trabalhador. 

Férias coletivas

Outra possibilidade é a concessão de férias coletiva. Neste caso, a MP dispensa a comunicação ao Sindicato e ao Ministério da Economia, requisitos que normalmente devem ser cumpridos. 

Walski também frisa que há a possibilidade de que trabalhadores da saúde sejam retirados de suas férias. “As empresas poderão convocá-los de suas férias ou licenças sem vencimento, mediante comunicação no prazo de 48 horas, devendo o empregado se reapresentar no trabalho”. 

Aproveitamento e a antecipação de feriados
Empresas também poderão antecipar feriados — desde que não sejam religiosos —, devendo para tanto comunicar os empregados com 48 horas de antecedência, com apontamento sobre qual feriado será antecipado. 

“A antecipação de feriados religiosos também é possível, mas deverá contar com concordância prévia, expressa e individual do empregado, por escrito”, explica Walski. 

Banco de horas

O advogado Renato Tardioli, sócio do escritório Tardioli Lima Advogados, explica que o empregador está autorizado a interromper as atividades e constituir o regime especial de compensação de jornada, por meio de banco de horas, estabelecido por meio de acordo coletivo ou individual, para a compensação no prazo de até 18 meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública.

“Independente de convenção coletiva, acordo coletivo ou individual, o empregador pode compensar o tempo para recuperação do período interrompido mediante prorrogação de jornada em até duas horas sem exceder dez horas diárias”, afirma.

Suspensão de exigências em segurança e saúde 
Segundo Tardioli, está suspensa até 60 dias contados da data de encerramento do estado de calamidade pública a obrigatoriedade de realização dos exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares, exceto dos exames demissionais, que poderão ser dispensados caso o exame médico ocupacional mais recente tenha sido realizado há menos de 180 dias.

FGTS
Outra alteração diz respeito ao FGTS. O pagamento por parte do empregador referente aos meses de março, abril e maio será suspenso. O pagamento poderá ser feito, de forma parcelada, a partir a partir de julho de 2020. 

Walski explica que “se a empresa demitir algum empregado neste período, a empresa deverá recolher os valores a ele devidos a título de FGTS, mas sem aplicação de multa por causa do atraso no recolhimento”. 

Críticas da OAB

O Conselho Federal da OAB emitiu nesta segunda-feira (23/3) parecer por meio do qual faz críticas à MP. Para a entidade, a MP “produz efeitos brutais que violam garantias mínimas que a Constituição brasileira assegura aos trabalhadores, sobretudo com prejuízos severos à renda dos trabalhadores e à sua integridade física”.

Segundo a OAB, a MP veicula “transgressões evidentes” ao texto constitucional, pois prestigia a celebração de acordos individuais “de maneira exagerada e prejudicial aos trabalhadores”.

A antecipação de férias também estaria em desacordo com a Constituição, pois a “permanência compulsória” do trabalhador em sua residência não pode ser considerada período durante o qual possa haver “recomposição de energias e o desfrute de atividades de lazer”.

Quanto ao banco de horas, “fica absolutamente nítido o abuso em desfavor dos empregados, ao se permitir que, durante o estado de calamidade pública, a interrupção das atividades pelo empregador proporcione um enorme saldo no banco horas a trabalhar, em favor do empregador, para compensação no prazo de até dezoito meses”. 

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Conjur, 24 de março de 2020