“A sabedoria não se transmite, é preciso que nós a descubramos fazendo uma caminhada que ninguém pode fazer em nosso lugar e que ninguém nos pode evitar, porque a sabedoria é uma maneira de ver as coisas.” (Marcel Proust).
Segundo nos informou um contador, milhares de pequenos empreendedores com sede na região metropolitana de São Paulo (Barueri, Santana de Parnaíba, Pirapora do Bom Jesus, Osasco, Embu das Artes etc.) receberam um “Termo de Intimação” da Delegacia da Receita Federal, onde a autoridade fazendária informa que “não se confirmou a localização/existência da empresa”
Esse suposto “Termo de Intimação” que “ensejou a abertura” de um processo administrativo destinado a “mudança da situação cadastral da empresa…para SUSPENSA” é uma ameaça ilegal.
O processo teria sido aberto em virtude de supostas irregularidades, inclusive débitos que implicariam em sonegação e fraude fiscal.
Isso não seria notícia, não fosse o tamanho da encrenca. Simplesmente cerca de 5.000 (isso mesmo: cinco mil!) pequenas empresas estão sendo ameaçadas de, num prazo de 30 (trinta) dias, ficarem sem CNPJ, não podendo mais emitir uma nota fiscal, manter conta bancária ou possuir um cartão de crédito… Simplesmente decreta-se a pena de morte do pequeno empresário!
A matança foi arquitetada com a requisição dos cadastros de prestadores de serviços que possuem sede em escritórios virtuais. Segundo o contador, o Fisco requisitou os nomes de todas as empresas que se sediam em escritórios virtuais e depois mandou funcionários ao local da sede.
Como lá não encontrou o empresário, exige o que denomina de “prova de vida da empresa”. Chegou o representante do “leão” à tresloucada conclusão de que se a pessoa não está na sede da empresa, a empresa não existe ou foi abandonada!
Marcel Proust define a sabedoria como “uma caminhada que ninguém pode fazer em nosso lugar e que ninguém nos pode evitar, porque a sabedoria é uma maneira de ver as coisas”.
Não é razoável imaginarmos que servidores públicos e seus chefes tenham deixado de fazer a caminhada pela vida ou resolveram ver as coisas com os olhos vendados.
Considerando que há notícias de redução da quantidade de servidores em algumas repartições, empresas estatais, conselhos, universidades públicas e ministérios, poderíamos imaginar que uma hipótese de desemprego estaria preocupando os servidores da Receita. Ao que se sabe, todos são concursados, estáveis e seus direitos adquiridos serão respeitados. Esperamos que a reforma da previdência não os atinja a ponto de terem sequer os salários atrasados…
Todavia, é bom lembrar que escritórios virtuais são inevitáveis. Nem todos os servidores do país vão acabar com isso. A razão é simples: a atividade é legal, posto que tributada na forma da Lei Complementar 116, item 3.03 dos serviços tributados:
“3.03 – Exploração de salões de festas, centro de convenções, escritórios virtuais, stands, quadras esportivas, estádios, ginásios, auditórios, casas de espetáculos, parques de diversões, canchas e congêneres, para realização de eventos ou negócios de qualquer natureza.”
Hoje há escritórios virtuais até na sede da Associação dos Advogados de São Paulo, que aluga salas de reuniões e espaço para que durante certo tempo o advogado liberal, que prefere ter seu escritório em casa, receba seus clientes e exerça sua atividade.
Um ex-secretário de finanças da maior cidade do país já disse que os escritórios virtuais foram criados para sonegar impostos e seriam uma novidade criada aqui com esse objetivo.
A invenção remonta a mais de 100 anos! Começou no porto de Londres, onde armadores que possuíam um só navio nele residiam e mantinham na zona portuária um endereço para receber correspondência, numa época em que o único meio de comunicação era o telégrafo.
Um brasileiro, fiscal do ICM, foi a Londres em 1962 assistir a Copa do Mundo e numa tarde foi passear na zona portuária, tomando conhecimento de um local onde eram locados espaços com armários e mesas para uso dos armadores e seus prepostos.
Retornando a São Paulo, essa pessoa, possuindo um andar inteiro vazio na Rua Líbero Badaró, 336 – 1º andar – e dispondo de um equipamento de PABX com muitos ramais, resolveu criar ali o primeiro escritório virtual do Brasil, onde espaços eram locados a contadores, despachantes e outras pessoas que precisavam de local para trabalhar como autônomos.
O contador que me informou sobre essa besteira de agora está preocupado.
Seus clientes são cerca de 150 e quase todos possuem empresas de prestação de serviços de informática, as quais prestam serviços para um ou dois clientes e o faturamento representa a sobrevivência do “empresário” que a receita não quer que trabalhe.
Se há dívida, que seja ela cobrada pela via executiva, com o devido processo legal. Se há fraude, que o fato seja encaminhado ao Ministério Público que acionará a Polícia Federal. Existem leis neste país e acima de todas está a Constituição. O resto é resto… Sem que as coisas sigam os mandamentos legais estaremos numa anarquia, onde não haverá Justiça Tributária!
Raul Haidar é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.