Mudanças na legislação previdenciária deverão dificultar o recálculo da renda dos aposentados.
A revisão de aposentadorias e pensões do INSS enfrentará novos obstáculos com a aprovação da reforma da Previdência, cuja proposta poderá ser votada em primeiro turno no Senado ainda nesta semana.
O texto aprovado pela Câmara não faz restrições diretas ao recálculo da renda de beneficiários do INSS. As dificuldades para a revisão, porém, serão efeitos colaterais de mudanças nas regras de concessões de benefícios e no acesso à Justiça.
Uma das consequências da reforma é a retirada da Constituição da garantia de que processos contra a Previdência possam ser iniciados na Justiça estadual sempre que não houver Justiça Federal no município.
Ao derrubar essa regra, a reforma permitirá a aplicação de lei aprovada pelo presidente Jair Bolsonaro que obriga o segurado a buscar uma unidade da Justiça Federal, caso a sede esteja num raio de até 70 quilômetros da sua residência.
Nesses casos, o acesso à Justiça ficará mais distante nas localidades afastadas dos grandes centros urbanos, onde a presença de unidades judiciárias federais é menor.
O país tem 988 varas e juizados federais, o que representa menos de 10% das 10.035 unidades da Justiça estadual, mostram dados do Justiça em Números de 2018.
A legislação que passará a valer ainda é menos rigorosa do que a pretendida pelo governo, cuja proposta original era obrigar o segurado a se deslocar até 100 quilômetros para acessar a Justiça Federal.
Novas interpretações do INSS sobre a validação do tempo de contribuição, também possíveis a partir da reforma, podem se tornar empecilhos ainda maiores para as revisões, alerta Rômulo Saraiva, advogado especialista em direito previdenciário.
A reforma prevê que o INSS não deve considerar períodos fictícios como tempo de contribuição. Esse texto abre brechas, segundo Saraiva, para que sejam rejeitados períodos trabalhados em empresas que não repassaram ao governo contribuições descontadas do empregado.
Não é possível, no entanto, afirmar que essa restrição será criada. “A interpretação só estará clara após o INSS publicar suas instruções normativas”, afirma Saraiva.
Lei aprovada já dificulta reclamação contra o INSS
Antes mesmo de aprovar a reforma da Previdência, o governo conseguiu promover mudanças em regras que afetam as revisões de benefícios do INSS.
No início do ano, o governo publicou medida provisória para criar um novo pente-fino nos benefícios previdenciários. As novas regras, já convertidas em lei pelo Congresso, também trouxeram restrições às revisões.
Benefícios cancelados ou negados pelo INSS também passaram a contar com o prazo de dez anos para serem revisados.
A mudança inviabiliza a contestação de decisões equivocadas do órgão nos casos de segurados que não apresentaram a reclamação dentro do prazo.
“Essa medida causa preocupação, considerando que no país há muita imprecisão e desinformação sobre o direito previdenciário”, afirma Rômulo Saraiva.
A lei também exige provas materiais e contemporâneas (produzidas na época) do tempo de serviço para a revisão de benefícios, inclusive nos casos em que a análise é realizada por meio de ação judicial.
Essa posição vai contra muitas decisões da Justiça que concederam revisões com base em depoimentos de testemunhas ou documentos produzidos fora da época em que havia o vínculo de trabalho.
Apesar de focar as concessões de pensão por morte, um outro obstáculo criado pela lei do pente-fino pode ter consequência nas revisões desse benefício. Trata-se da exigência de provas materiais e contemporâneas para a comprovação da união estável.
Em casos extremos, a medida pode levar a erros em processos de revisão de pensões concedidas por meio do depoimento de testemunhas. “Mas se isso ocorrer, o segurado terá seu direito garantido na Justiça”, diz Saraiva.
RECÁLCULO DA RENDA | REGRAS MAIS DURAS
A revisão da aposentadoria deve ficar mais difícil após a reforma da Previdência. Veja algumas mudanças que poderão atrapalhar quem pretende revisar a renda:
Mais longe
- A reforma tira da Constituição a opção do segurado processar o INSS na Justiça estadual, caso não exista sede da Justiça Federal na cidade onde ele mora
- Ao acabar com essa regra, deve passar a valer uma lei que obriga o segurado a ir à Justiça Federal nos casos em que há uma unidade num raio de até 70 quilômetros
- A regra deverá obrigar segurados, aposentados e pensionistas a viajarem dezenas de quilômetros para pedir um benefício ou uma revisão judicial
- O impacto será sobre pessoas que moram em regiões afastadas das capitais e grandes centros urbanos do país, onde há poucas sedes da Justiça Federal
Falta de recolhimentos
A proposta da reforma diz que o INSS não deve contar tempo de aposentadoria fictício, ou seja, sem a contribuição efetivamente realizada. O texto abre uma brecha para a não contagem do tempo de contribuição em casos como:
- Empregado que trabalhou com carteira assinada, mas não teve suas contribuições repassadas pelo empregador para a Previdência
- Servidor que tem afastamento por doença dentro do período a ser averbado no INSS por meio de CTC (Certidão de Tempo de Contribuição)
- Segurado que tem período de aluno-aprendiz em escola que não realizou os repasses de contribuições para o órgão previdenciário
Fim do tempo especial
- O período trabalhado em local com risco à saúde é considerado especial e é contado com acréscimo no cálculo da aposentadoria
- A reforma acaba com a conversão do tempo especial em comum para períodos trabalhados a partir da nova legislação previdenciária
Trabalho perigoso
- A reforma não considera contagem especial para o trabalho perigoso e que não é insalubre, como o de vigilantes e de eletricitários
- Hoje, trabalhadores dessas categorias conseguem o tempo especial na Justiça, embora o INSS não aceite o direito na via administrativa