Reparação por ofensa racial foi arbitrada em R$ 10 mil.

A prefeitura Sertãozinho terá de indenizar por ofensa racial praticada por ocupante do cargo de chefe a um de seus subordinados. A municipalidade deverá pagar indenização por danos morais no valor de R$ 10 mil ao autor da ação. Decisão é da 10ª câmara de Direito Público do TJ/SP.

t

O autor é servidor público municipal e alegou ter sido vítima de discriminação praticada pelo preposto da requerida, que o chamou de “negão” durante um desentendimento de trabalho. O chefe havia mandado o autor da ação cumprir tarefas diversas daquelas de sua função, o que causou o entrevero e a injúria, após a qual o apelante procurou advogada do sindicato. Em 1º grau, o pedido foi julgado improcedente, motivo pelo qual foi impetrado o recurso.

Diante da defesa do chefe, de que se tratava de apelido usado no dia a dia, sem intenção de ofender, o relator do recurso, desembargador Marcelo Semer, considerou que o caso deve ser considerado a partir de dois pontos centrais: i) a pertinência de o superior hierárquico assim se dirigir a seu subordinado; ii) o sujeito a ser objeto da análise quanto à presença ou ausência do teor ofensivo da expressão.

Quanto à primeira questão, o magistrado afirma que “o subordinado, diante de seu chefe, não está em posição de rejeitar o tratamento a ele dirigido ou de estabelecer relação similar àquela a que está submetido, em virtude do constrangimento intrínseco à relação hierárquica, bem ainda do risco de punição funcional pelo comportamento, risco esse não assumido em igual medida pelo chefe.

“Dessa forma, e também porque ambiente descontraído não é o ambiente de trabalho, era mesmo inadmissível tratamento por apelido do superior hierárquico perante o seu subordinado, sendo ainda mais gravosa a hipótese, por se tratar de apelido depreciativo de raça.”

No segundo ponto, o relator destacou que relatos de testemunhas fazem a ressalva de que o tratamento não era ofensivo, mas “é evidente que a ofensa deve ser avaliada pela ótica do ofendido e não do ofensor”. Segundo o desembargador, o inconformismo do funcionário ficou claro, “tanto que entrou em contato com a advogada do sindicato e posteriormente procurou o Ministério Público para noticiar a ocorrência”. E completou:

“Ainda que se diga que dirigir-se a uma pessoa negra como ‘nego’ ou ‘negão’ não se dê por ofensa consciente ou que esteja culturalmente assimilado, não há que se falar em proteção jurídica da liberdade de constrangimento das minorias, simplesmente porque a sociedade ainda se encontra assentada em sua herança escravagista.”

Disse, por fim, que o preconceito merece ser combatido social e juridicamente.

“Aqueles que pretendem, em tese, ‘defender’ o que chamam de ‘liberdade de expressão’, ‘espontaneidade e leveza das relações’, em verdade pretendem garantir seu antigo e deletério direito de ofensa repita-se, ainda que inconsciente , de verbalização impune de seu preconceito, cultura nefasta que, ainda que siga grassando em rodas sociais, merece ser combatida social e juridicamente, como já se encontra presente, para além da CF, no Estatuto da Igualdade Racial e na Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial.”

“Desarmamento afetivo”

No acórdão, o desembargador cita estudo de Oracy Nogueira, segundo o qual, quanto a dizer-se que se tratava apenas de apelido, e que o autor era assim tratado por todos – o que tampouco afasta ou justifica o comportamento do chefe – o estudo destaca que o processo de suposta acomodação seria facilitado pelo que chamou de “desarmamento afetivo” do negro.

Em outras palavras, explica o magistrado, o fato de ser tratado por “nego” ou “negão” de forma, em tese, carinhosa, por colegas e pessoas de seu convívio, apenas consistiria em maneira de manter em seu inconsciente seu lugar existencialmente inferior tão-só pela cor da pele.

Por fim, o colegiado considerou que o município, enquanto responsável pelo ambiente de trabalho, responde objetivamente pelos atos de seus prepostos.

O julgamento teve a participação dos desembargadores Torres de Carvalho, Paulo Galizia e Antônio Carlos Villen. A decisão foi por maioria de votos.

Veja o acórdão.

Migalhas, 14 de junho de 2019