A Receita Federal do Brasil recentemente publicou uma Solução de Consulta (SC) esclarecendo seu entendimento a respeito da tributação previdenciária do vale-transporte.
A SC foi formulada por empresa que estudava a possibilidade de conceder aos seus empregados um vale-combustível, a ser adquirido junto às empresas gestoras de benefícios, ao invés do vale-transporte tradicional.
A resposta positiva da RFB, encampada na Solução de Consulta RFB COSIT 313, de 19.12.2019, endereça esse questionamento da seguinte forma:
“VALE-TRANSPORTE. VALE-COMBUSTÍVEL. NÃO INCIDÊNCIA.
Não incide contribuição previdenciária sobre os valores pagos a título de vale-transporte por meio de vale-combustível ou semelhante. A não incidência da contribuição está limitada ao valor equivalente ao estritamente necessário para o custeio do deslocamento residência-trabalho e vice-versa, em transporte coletivo, conforme prevê o art.1º da Lei nº 7.418, de 16 de dezembro de 1985.
O empregador somente poderá suportar a parcela que exceder a seis por cento do salário básico do empregado. Caso deixe de descontar este percentual do salário do empregado, ou desconte percentual inferior, a diferença deverá ser considerada como salário indireto e sobre ela incidirá contribuição previdenciária e demais tributos.”
Além de responder a dúvida específica sobre a natureza jurídica do vale combustível, a Receita revela um outro importante aspecto envolvido na concessão deste benefício. Antes de destacar este ponto, vejamos algumas das premissas expressamente reconhecidas pela Receita Federal:
1º) não incide contribuição previdenciária sobre vale-trasporte;
2º) o benefício (vale-transporte) é custeado tanto pela empresa quanto pelo empregado, mas o empregador somente poderá suportar a parcela que exceder a 6% do salário básico do empregado;
3º) caso deixe de descontar este percentual do salário do empregado, ou desconte percentual inferior, a diferença deverá ser considerada como salário indireto e sobre ela incidirá contribuição previdenciária e demais tributos.
A consequência lógica do reconhecimento de tais premissas nos parece que é a seguinte: caso a empresa desconte este percentual de 6% do salário do empregado, o valor descontado terá natureza jurídica de vale-transporte, não sendo considerado salário-de-contribuição para fins de incidência de contribuição previdenciária.
Retoma-se, portanto, a discussão a respeito da incidência de contribuição previdenciária sobre os descontos dos empregados na folha de salários para custeio de benefícios expressamente “isentos”, como é o caso do vale transporte. Explica-se.
Como se sabe, alguns benefícios concedidos aos empregados não estão sujeitos à contribuição previdenciária, por estarem fora do campo de incidência tributária/previdenciária. É o caso, por exemplo, do vale-transporte, do auxílio-alimentação e da assistência médica (plano de saúde).
Seja por previsão legal — como visto acima, no caso do vale-transporte — ou por disposição em Convenção Coletiva de Trabalho, estes benefícios são custeados tanto pela empresa quanto pelos empregados.
Por uma questão operacional relacionada ao sistema Sefip (Sistema Empresa de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social), muitas vezes as empresas acabavam retirando da base de cálculo da contribuição previdenciária apenas a parcela desse benefício que é custeada pela empresa.
Mais recentemente, com o advento do Sistema de Escrituração Fiscal Digital das Obrigações Fiscais Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial), que substituiu a GFIP, foi possível identificar de forma clara que tais benefícios estavam decompostos em duas parcelas: aquela custeada pela empresa e aquela custeada pelo empregado.
Com isso, percebeu-se que os descontos da remuneração do empregado — a “coparticipação no benefício” — estava sendo tributada, ainda que esses pagamentos estivessem abarcados por uma hipótese de não incidência, ou por uma isenção específica.
Sobre o tema, primeiramente, vale destacar que a base de cálculo da contribuição previdenciária não é o “salário”. Este conceito é utilizado pela legislação trabalhista. A base de cálculo da contribuição previdenciária e o denominado “salário-de-contribuição”, conceito delimitado por legislação específica, especialmente pelo artigo 28 da Lei 8.212/1991.
Esse dispositivo delimita a hipótese de incidência e também expressamente retira da “base de cálculo” da Contribuição Previdenciária — denominada salário-de-contribuição — diversos benefícios, dentre as quais destacamos o vale-transporte, auxílio-alimentação e o plano de saúde.
Essa recente manifestação da RFB parece estar em linha com recentes decisões do Poder Judiciário, as quais reconhecem que os valores descontados do trabalhador referentes à determinados benefícios indiretos — correspondente à contribuição do beneficiário no custeio caso do vale-transporte, do auxílio-alimentação e da assistência médica (Plano de Saúde) — não se ajustam à materialidade da competência tributária outorgada pela Constituição Federal.
Isto porque, não há como negar que estes benefícios indiretos “financiados”/custeados em duas parcelas cota patronal e empregado (recursos próprios) — tenham natureza distintas para fins de incidência da contribuição previdenciária.
É evidente que a natureza jurídica destes benefícios é a mesma, pouco importando se o custo está sendo incorrido pelas empresas (cota patronal) ou pelos seus empregados.
Enfim, ao nosso ver estando a parcela do benefício indireto que é custeada pela empresa abarcada pela isenção ou não incidência, a coparticipação do empregado (valor descontado em folha de salário – “coparticipação”) também não deveria ensejar qualquer tributação previdenciária.