Em nova investida contra direitos sociais, senador pretende derrubar normas que regulam jornada de trabalho e tornar Cipas opção do empregador. “Efeitos graves no mundo do trabalho”, afirmam entidades

Senador Berger preside sessão da comissão mista que aprovou relatório de Goergen (ao centro), criticado por juízes, advogados e fiscais – ROQUE DE SÁ/AGÊNCIA SENADO

Depois da Lei 13.467, que mudou as regras trabalhistas, e da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6, de “reforma” da Previdência, que avançou ontem (11) na Câmara, o Congresso prepara mais uma investida contra direitos sociais. O relatório do deputado Jeronimo Goergen (PP-RS) para a Medida Provisória (MP) 881, da “liberdade econômica”, está sendo visto por entidades da magistratura e da advocacia como uma “mini-reforma trabalhista”. Por isso, pediram adiamento da votação da MP na comissão mista que discute o tema. Não adiantou: o colegiado aprovou o relatório nesta quinta-feira (11). Agora, o projeto de lei de conversão (criado quando um MP é alterada no parlamento) precisa passar pelos plenários da Câmara e do Senado.

As mudanças feitas pelo relator têm “efeitos graves no mundo do trabalho”, afirmam a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait) e a Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (Abrat), que pediram ao presidente da comissão, senador Dário Berger (MDB-SC), que suspendesse a votação. ““Trata-se de uma minirreforma trabalhista, propondo alterações normativas preocupantes e de grande impacto social, o que denota a importância de se aprofundar o debate sobre o tema, inclusive com a abertura de apresentação de propostas pela própria sociedade”, diz a presidenta da Anamatra, Noemia Garcia Porto.

As entidades sustentam que o texto original do Executivo, que visa a facilitar as regras para a livre iniciativa, foi alterado substancialmente pelo relator. E acrescentam que o projeto de lei de conversão é inconstitucional, considerando que julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, de uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) sobre emenda de conteúdo temático diferente do proposto originalmente.

“As regras constitucionais estão absolutamente atreladas à dignidade da pessoa humana e qualquer alteração que vise a livre iniciativa deve se dar por causa da garantia dessa dignidade e não da garantia tão e somente da ordem econômica como vem estampado no texto, que elimina regras de segurança e saúde no trabalho”, dizem as associações. Elas citam, por exemplo, a criação de regimes especiais de contratação suspendendo acordos coletivos que vedam trabalho aos finais de semana, além de normas da CLT sobre jornadas especiais de trabalho, como a dos bancários.

Regime especial

O relatório previa a criação de um “regime especial de contratação anti-crise”, que acabou saindo do texto final. O objetivo seria suspender normas que restrinjam a criação de empregos. Sob esse argumento, previa suspender “leis e atos normativos infralegais, incluindo acordos e convenções coletivas”, que proíbem o trabalho em fins de semana e feriados. Esse regime duraria até que o IBGE divulgue “relatório” – na verdade, o instituto realiza pesquisas – apontando menos de 5 milhões de desempregados por pelo 12 meses consecutivos. Como isso nunca aconteceu nem nos melhores momentos da economia, o “regime especial” imaginado pelo senador se tornaria permanente, na prática.

A menor taxa de desemprego registrada pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, foi de 6,2%, no último trimestre de 2013 – a recente série  histórica é a partir do ano anterior. A Pnad não é comparável à Pesquisa Mensal de Emprego (PME), que o instituto realizava anteriormente e abrangia apenas seis regiões metropolitanas. Já a menor média histórica anual da Pnad Contínua, referente a 2014, aponta 6,743 milhões de desempregados, ainda bem longe da “meta” fixada pelo senador.

Em outra parte do relatório, ao empregador cabe a decisão de constituir, ou não, a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa). “Em um país que registra, de acordo com estatísticas oficiais, uma morte por acidente em serviço a cada três horas e 43 minutos, é inaceitável. Não se trata de uma questão econômica, mas sim de saúde pública”, afirma a presidenta da Anamatra.

“Não creio que o liberalismo econômico seja a saída para as grandes crises que vivemos. O incentivo a micro e pequenas empresas sem dúvida é um avanço. Mas a medida provisória faz uma nova reforma trabalhista. Na verdade, tira-se mais direitos. Eu não entendo como a micro e a pequena empresa vão crescer com uma população desempregada e sem salário. Quem vai comprar da micro e pequena empresa?”, questionou o deputado Ênio Verri (PT-PR), de acordo com a Agência Senado. Segundo o relator, é “inteiramente falso” dizer que a liberdade econômica reduz direitos.

RBA, 15 de julho de 2019