Discute-se já há algum tempo se em matéria de Direito do Trabalho devem prevalecer as regras legais, ou se a negociação coletiva deva ter prevalência sobre aquelas: é a questão do “negociado prevalecer sobre o legislado”.
Não obstante o artigo 7º, XXVI, da Constituição Federal assegure o reconhecimento das convenções e acordos coletivos, consagrando o princípio da autonomia coletiva dos grupos, a nossa estrutura sindical tem sido argumento utilizado por aqueles que se mostram cautelosos em relação à ideia da prevalência do negociado sobre o legislado.
Isso porque o fato de o ordenamento jurídico brasileiro adotar o princípio da unicidade sindical, isto é, a existência de um só sindicato da mesma categoria em uma dada base territorial por imposição legal, coloca em dúvida a legitimidade dos sindicatos, já que estes detêm o monopólio da representação da categoria, independentemente da manifestação da vontade dos integrantes desta mesma categoria.
E, em decorrência da representação de toda a categoria, tem o sindicato a prerrogativa de impor o pagamento de contribuição sindical a todos os integrantes, sejam sócios ou não, uma vez que a norma coletiva produzida pelo sindicato tem aplicação a todos representados.
A imposição e cobrança da contribuição sempre foi feita sem qualquer manifestação dos integrantes da categoria, até o advento da Lei 13.467/2017, denominada reforma trabalhista.
Esse diploma certamente objetivou colocar fim à cobrança das contribuições contra a vontade dos trabalhadores não associados ao sindicato, não obstante os mesmos continuassem a se beneficiar dos direitos obtidos por meio da mesma norma coletiva que instituía a contribuição devida.
Como admitir que a convenção ou o acordo coletivo possa ser utilizado somente em benefício de alguém que se nega a cumprir os encargos previstos nesta mesma norma? É possível ter o bônus sem assumir o ônus?
Eis uma contradição a nosso ver insolúvel enquanto for mantida a regra da unicidade sindical, que é a existência de um só sindicato por imposição legal.
Mas, retornando à ideia da prevalência do negociado sobre o legislado, que é a intenção da reforma trabalhista, como compatibilizá-la com o enfraquecimento dos sindicatos profissionais, que são os interlocutores necessários para a criação do negociado?
A Lei 13.467/17 alterou os artigos 579 a 582 da Consolidação das Leis do Trabalho com a intenção de obstar desconto de contribuição em favor do sindicato sem autorização prévia e expressa.
Surgiu em decorrência a polêmica relativa a saber se a autorização necessitaria ser individual, ou se a assembleia sindical que delibera sobre todo conteúdo da negociação pode suprir essa manifestação de vontade.
O legislador da reforma, dado o ritmo acelerado com que esta foi elaborada, esqueceu de dizer que a autorização deveria ser individual e, portanto, a nosso ver, a assembleia sindical pode, sim, suprir a vontade de todos.
De toda maneira fica a indagação relativa ao fato de que impedir ou restringir o financiamento sindical é o inverso do que seria necessário para fortalecer as soluções negociadas entre empregados e empregadores.
Salvo se a intenção da reforma sindical não for a prevalência de uma negociação em que sindicato profissional e sindicato patronal ou empresa deverão estar em pé de igualdade.
O Executivo Federal, a fim de corrigir o lapso referente à autorização individual para desconto da contribuição sindical, editou a Medida Provisória 873/2019. Mas politicamente não houve condições de submetê-la ao exame do Poder Legislativo, e a MP perdeu sua validade.
Agora surge o Projeto de Lei 3.814/2019, do Senado Federal, de autoria da senadora Soraya Thronicke, cujo objetivo é ressuscitar a medida provisória já referida, como expresso na justificativa do projeto. Ademais, afirma sua autora que o objetivo é privilegiar a vontade individual dos integrantes da categoria.
No texto do projeto, o artigo 579 da CLT passa a exigir a autorização expressa e individual do empregado para o desconto, além de sua cobrança exclusivamente por meio de emissão de boleto bancário a ser enviado à residência do destinatário, ou equivalente eletrônico.
Quem me dera que a maioria dos trabalhadores brasileiros tivessem endereço postal ou equipamento eletrônico, para que a previsão legal pudesse ser real. A forma adotada pela nova redação legal é um modo eficaz de obstar o sindicato profissional de angariar receita.
Ademais, o parágrafo 2º do artigo 579 proposto pelo projeto do Senado afirma que nem a negociação coletiva nem o estatuto sindical podem prever outro modo de cobrança, distinto deste criado pela lei.
Não esqueçamos, todavia, da disposição constitucional a respeito, que a lei ordinária não pode alterar, diante da hierarquia das normas legais. Afirma o artigo 8º, IV, da Constituição Federal:
“Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:
…
IV – a assembleia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei.
A questão que se coloca é saber sob o prisma jurídico se pode o legislador ordinário tornar sem efeito a disposição constitucional a respeito, restringido os poderes da assembleia sindical.
Afinal, a aprovação deste projeto de lei ocasionará severa restrição ao financiamento sindical, colocando em risco a própria sobrevivência das entidades representativas dos trabalhadores, inviabilizando o avanço da negociação coletiva.