O governo Bolsonaro chega ao marco do primeiro semestre com um saldo que pode ser nominado, sem hipérbole, como trágico. Ele aparece com mais dramaticidade na esfera da economia, com a adoção de uma agenda ultraliberal e neocolonial, respaldada por ameaças de autoritarismo, que resultou numa verdadeira multidão amargando o desemprego, o mais perverso efeito social dessa situação, sem nenhuma perspectiva de que, com esse governo, as coisas vão melhorar.
Mas é importante enfatizar que essa calamidade é decorrência de um projeto de poder. Bolsonaro e sua trupe chegaram ao governo dizendo abertamente o que pretendiam, a começar pela revisão da política externa, agora caudatária dos ditames da Casa Branca. Essa subordinação, fundada no conteúdo ideológico – submisso, da parte brasileira – que une no mesmo universo o Itamaraty e o Pentágono, fez o governo do Brasil ser uma peça irrelevante no cenário mundial, mero joguete de Washington no tabuleiro da geopolítica.
Ao abrir mão do seu papel de protagonista global, o governo brasileiro deixou de constar como ator no concerto das nações e deu as costas para os organismos erigidos a duras penas para constituir um mínimo de força e soberania regional na disputa entre os grandes blocos comerciais e políticos em âmbito mundial. O desdobramento dessa política externa se manifesta como enfraquecimento do Estado nacional, núcleo indutor e propulsor da economia, comprometendo a ideia de um projeto de desenvolvimento soberano.
No lugar desse projeto, entrou a política entreguista, como a reinstalação das privatizações selvagens que transfere o patrimônio nacional e as riquezas naturais para os monopólios internacionais, gerando, ao mesmo tempo, receita ao “ajuste fiscal”, dinheiro público que sai do Tesouro nacional para as contas da ciranda financeira. Com essa política, ícones da construção industrial e da soberania brasileiras como a Petrobras, a Eletrobras e os Correios estão na alça de mira dos interesses rentistas.
A resultante desse projeto de poder é uma completa ausência de investimentos, público e privado, um contraste com as promessas de Bolsonaro de tirar o país da crise rapidamente. Depois do período de estagnação que sucedeu a recessão, em vez de uma política indutora dos investimentos o que se viu foram medidas contracionistas, que ameaçam levar o país, perigosamente, a outro ciclo recessivo. Na prática, o governo Bolsonaro está empurrando o país para uma nova recessão, além de aprofundar a já grave desindustrialização.
Tudo isso com arroubos de autoritarismo, seja pelas ações do próprio presidente da República, de inegável vocação ditatorial, seja pelas mobilizações do espectro bolsonarista contra as instituições democráticas – com mais ênfase o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF) – e a liberdade de imprensa. Há exemplos práticos desse comportamento, como os reiterados rompantes de Bolsonaro contra jornalistas.
Quem paga a conta dessa catástrofe, obviamente, é o povo, sobretudo. Cai nas suas costas perversidades como a “reforma” trabalhista, os ataques à legislação sindical e agora a ameaça da “reforma” da Previdência Social, que representa, concretamente, o fim da aposentadoria. Além dessa monstruosidade que é o desemprego em massa, uma autêntica tragédia social.
Esse é cerne desse projeto de poder. Ou seja: alguém precisa arcar com o ônus da crise que, noves fora tudo, não foi criada pelos trabalhadores. Ele precisa dos atentados ao Estado Democrático de Direito, pois não se sustenta sem afrontas à democracia, sem a lógica do Estado de exceção, sem ataques ao regime democrático, como assegura a Constituição que, por essa política, vive em constante ameaça, como se sobre ela pendesse uma espada de Dâmocles.
Nesses seis meses, um dado relevante é que o campo democrático e progressista – especialmente as organizações populares, como as centrais sindicais e as entidades estudantis – se levantaram com força. As contestação aos cortes na Educação e à ofensiva contra a legislação social e trabalhista – com destaque para o combate à “reforma” da Previdência Social – se somaram a outras iniciativas, como a interlocução dos partidos de esquerdas com setores políticos mais amplos, um movimento que tende a ganhar densidade após as revelações do conluio de Sérgio Moro com os procuradores da força-tarefa da Operação Lava jato pelo site The Intercept Brasil e seus aliados.